Saturday, March 30, 2013

A primeira vez que não fugi de uma briga... Blogueira convidada - Josi

A Josi eu conheci sem querer... Li um texto dela, que falava sobre racismo, num outro blog. Gostei da maneira como ela abordou o tema e fui conferir do que mais ela falava... Dai descobri um blog delicia, em que ela faz um diário para a filhota, contando do dia a dia, das novidades, das grandes descobertas da pequena Beatriz.

Ela nos mandou um texto maravilhoso, dos tempos que não havia ainda a Bia.

Aproveitem! =)

Ira Fermion

Acho que dos 7 aos 9 anos eu deveria ter uma tremenda cara de pamonha misturada com curau, porque só isso explicaria o motivo de receber tantas ameaças de “vou ter bater” sem que houvesse alguma  razão concreta para isso.
Não sei se isso acontecia devido a forma com que a minha mãe penteava o meu cabelo, sempre os prendendo em dois coques, o que me obrigou a carregar o vil apelido de Maria Coquinho, sem esquecer de mencionar que o radical da palavra “coque” foi trocado por “coco”, o que  aumentava ainda mais  a minha vergonha. Ou se o motivo de eu atrair tantas valentonas era a fama de durona da minha mãe e por isso elas talvez achassem que o meu corpo deveria estar meio que “acostumado.” Não sei qual era o real motivo deste meu azar, mas gosto de imaginar hoje, provavelmente como um mecanismo de defesa das minhas memórias, que estas meninas me perseguiam simplesmente porque eu era bem bonitinha na época (Elas eram horríveis. Quer dizer, é assim que me lembro) Mas a provável e dura verdade é bem menos agradável: como  eram grandes predadoras, elas deveriam  sentir o meu cheiro de medo e insegurança e se aproveitavam disso. Mas o importante é que na maioria das vezes a ameaça não se concretizava, pela menina em questão desaparecer da escola (eu estudava em escola “meio” particular, o SESI) ou por eu desaparecer da frente destas meninas.

Só sei que o truque do desaparecimento não funcionou quando uma família bem simples, com  7 ou 8 filhos, foi morar na minha rua. Eles alugaram uma casa de 3 cômodos no fundo de um terreno e a mais velha das filhas encasquetou comigo, talvez  ela tivesse visto o  meu olhar de espanto de “Putz, que família grande!” (e olha que  na época eu já tinha 3 irmãos menores!) ou  foi só implicância mesmo. O fato é que, após alguns dias, ouvi na voz de uma colega a temível frase: “Fulana quer te bater!”
É claro que desapareci da rua por um tempo. E só não continuei assim porque a minha mãe começou a desconfiar desta minha ausência e tudo pioraria se ela soubesse do verdadeiro motivo do meu “desinteresse social”: do jeito que ela era, iria achar que fui eu quem causou a confusão, ou pior, iria falar com a mãe da menina, o que aumentaria a tragédia, como qualquer criança bem sabe.
Dias depois houve um evento na rua (algo parecido com um campeonato de carrinhos de rolimã ou pipas, sei lá!)  e acabei não resistindo  e fui para o campo de guerra.. A Fulana me olhou com aquela cara de “O que você está fazendo aqui!” e eu evitava  por tudo nesta vida aquele olhar. E lá vinham novos recados: “Fulana disse que não vai com a sua cara e vai te pegar.” Acabei voltando para casa mais cedo, totalmente arrasada com as circunstâncias e continuei evitando tudo aquilo.
Então um dia, de dentro do portão da minha casa, comecei a olhar para a rua e me deu uma saudade danada da época em que eu podia ficar nela. Olhei para a calçada do outro lado da rua e lá estava a valentona me olhando. E não sei o que me deu na cabeça: abri o portão de casa e sai. A menina se levantou e foi vindo em minha direção, devagar, como um xerife de bang-bang. A meninada da rua foi se aproximando. E eu pensando: “O que estou fazendo aqui? Se eu apanhar, vou apanhar de novo em casa e se eu bater, também apanho.” No entanto, parei de pensar quando a menina começou a me ameaçar, só que eu achei a voz dela muito besta, eu ainda não a tinha ouvido. E também percebi que eu era um pouco mais alta que ela. E notei também que enquanto ela estava avançando para o meu lado, o poste, aquele poste lindo, estava bem atrás dela. Quando senti aqueles braços em cima de mim, me vi empurrando a menina, segurando firmemente a cabeça dela e batendo aquele monte de ossos com cabelo naquele poste. Anda hoje consigo ouvir o barulho seco da batida. Parei de bater quando a menina parou de me segurar. A menina ficou tonta, sentou- se na calçada Depois levantou-se cambaleando e entrou em sua casa. A mãe dela apareceu na porta me olhando, com uma  tristeza tão grande que conseguiu tirar qualquer alegria que eu pudesse sentir com a minha vitória e mal ouvi o barulho daquela molecada sádica. Só me sobrou o alívio enorme de ter tirado aquele peso de mim e saber que eu poderia freqüentar a rua novamente.

A minha mãe deve ter sabido desta história porque ela sabia de tudo, os meus irmãos devem ter me dedado, até parece que deixariam algo desta magnitude passar em branco, mas não lembro dela ter comentado algo, o que adorei na época. E hoje, como mãe, entendo o porquê desta não reação: o que ela diria? “Não é pra brigar na rua, não enfrente as valentonas da vida e viva com medo” ou “Isso aí, minha filha, quebre a cabeça da menina favelada e briguenta!” 
Depois de um tempo a família da valentona mudou-se e tudo só não ficou perfeito porque havia duas meninas mais velhas e maiores que eu na rua de cima que me avisaram (neste caso, pessoalmente) que quebrariam a minha cara se me vissem na rua delas, pois eram primas da minha “vítima” e que só “não fazemos isso agora porque a minha tia pediu para deixar quieto.” Então pude continuar a minha vida tranqüila sem sair da minha rua  até que ela perdeu a graça ou eu cresci, acho que as duas coisas aconteceram ao mesmo tempo.
E agora que me lembrei desta aventura, veio também uma frase que a minha mãe falava  para todos nós lá em casa quando éramos pequenos: “O problema do valentão é que ele sempre encontra alguém mais valentão que ele. Todos tem este destino.”
Pura verdade: por isso é que, a despeito desta minha pequena glória bélica, continuei fugindo desta turma . Credo!



                                         Josiane

                                        

10 comments:

  1. Pois é, ainda bem que pela vitória seu ego não inflou e você que virou a valentona né? Eu me arrependo tanto hoje de não ter enfrentado certas pessoas, vivi com medo e fugindo...T.T uahuahuahua

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  2. Que perseguição!

    Tá parecendo seriado: "Todo mundo odeia a Josi!" kkkkkkkkk

    Beijo!

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  3. Como sempre, super texto Josi!
    E acho impossível, esse coração se transformar em valentia sádica!
    Né?

    Beijos

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  4. Que coisa,bullying existe desde sempre,a gente só não usava esse nome..qtas vezes tive medo das valentonas da escola,até que um dia,assim como vc,resolvi revidar e parece que passaram a me respeitar mais.Mas sou contra a violência(tanto a física qto.a psicológica),tento ensinar isso aos meus filhos,mas na prática,qdo.se está na escola,é bem difícil lembrar do que aprendemos em casa...a gente vai pro pau mesmo,não tem jeito..rsss..

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  5. Acontecia isso comigo na escola, mas acho que era a forma como eu pensava e falava. As pessoas achavam que eu era revolucionária então me chamavam de "doida" a "louquinha"... se soubesse como estão hj essas mesmas pessoas....

    Kisu!

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  6. Muito obrigada pela oportunidade de escrever neste blog muito bacana, agradeço aos que passaram por aqui e pelo convite!

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  7. Josi,
    nunca enfrentei as valentonas de plantão, primeiro por que minha irmã (menor que eu) era uma das valentonas, segundo nem os valentões a enfrentavam, suas voadoras eram famosas, risos... Hoje ela é totalmente da paz, mas a língua continua afiada.
    bjs
    Jussara

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  8. Adoro os textos da Josi!!! Mas eu não conhecia essa historia!! Menina, que loucura!!! Eu fui vítima de uma valentona no colegio e eu pedi da minha mãe pra mudar...não aguentei a pressão de ter que ficar com medo de apanhar na hora do lanche...não entendo porque tantas crianças tem essa postura violenta...talvez em casa sofram e queiram descontar do lado de fora...uma pena!

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  9. Josi, ainda bem que você não deixou barato e resolveu a parada. Comprou o seu direito a frequentar a própria rua, sem bla,bla,bla, né?

    :-)

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  10. Eu pude sentir prazer com a cena... hahahahaha cabeça da valentona sendo arremessada incessantemente no poste!!!
    Bem feito! Odeio gente maloqueira que acha que é dona do mundo e que quer bater em alguém pelo simples fato daquele alguém existir!
    Bem feito mesmo!!!! Gostei da sua violência repentina! hehehehehe

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