Thursday, January 31, 2013

A minha primeira despedida



Na vida a gente é obrigado a aprender várias coisas. Uma delas é se despedir.

E tem despedida de tudo quanto é coisa e de tudo quanto é jeito. Tem despedida de solteiro/a, tem despedida do emprego, tem despedida de quem está indo viajar a passeio ou a trabalho, tem despedida de quem está mudando de bairro ou país, tem despedida entre pessoas, de amigos e até inimigos.

O importante é que, seja lá qual for a despedida, sempre uma parte fica e a outra vai. Sempre fica um vazio, em quem vai e em quem fica. Ás vezes esse vazio é bom, porque deixou pra trás um algo ruim, e ás vezes é ruim, porque deixou pra trás um algo bom.

E eu também tive a minha! E foi triste, porque deixei para trás uma vida. Deixei pra trás uma história que me transformou, em grande parte, no que sou hoje.

Como algumas pessoas já sabem, me formei na Unicamp. Nunca tive a intenção de morar fora de casa, até que passei no vestibular. E eu me despedi da minha casa. Mas essa despedida não foi sofrida (não pra mim, mas não posso dizer o mesmo da minha mãe), porque eu estaria de volta a cada final de semana. E botei a cara no mundo e descobri coisas, lugares, pessoas e sentimentos. Muitos sentimentos.

Foram anos moldando minha responsabilidade, minhas amizades, minhas inimizades, minhas alegrias, meus amores, minhas tristezas, minhas teorias, meus conceitos e até mesmo minha formação acadêmica (puxa, quase me esqueço que estava lá justamente para essa parte...)

Foram 10 anos e poucos amigos, muitos colegas, muitas histórias, muitas partidas de sinuca, muitas cervejas, muitos bandejões, algumas tardes de sol na piscina da faculdade de educação física, algumas festas, muitas madrugadas em claro estudando para provas, muito trabalho no estágio, algumas corridas no bosque, muitos passeios no shopping, alguns namorados, muitas sessões de cinema,  8 mudanças de casa e muita liberdade.

E então, chegou a hora de me despedir. E me mudar de Campinas significou fechar um ciclo. Significou, pra mim, o final da minha fase “ao sol”. A partir dali eu teria responsabilidades que me acompanhariam para o resto da vida, tendendo sempre a crescer. E eu sabia disso.

E meu coração apertou como nunca tinha apertado antes. E eu fui embora de Campinas sabendo que eu carregaria no meu coração cada segundo daqueles que eu passei naquele lugar me transformando em “pessoa adulta”.

E doeu. E eu chorei mais do que em qualquer momento da minha vida.

Mas de toda despedida provém uma chegada. E chegar em um lugar novo, conhecer pessoas novas ou ter um emprego novo dá para as pessoas a oportunidade de começar do zero, ter a página em branco para preencher como quiser, poder planejar, poder traçar metas, poder sonhar.

E dai a pessoa pode fazer tudo isso com mais cuidado, com outro olhar, com mais experiência. E pode ser melhor. E pode ser inusitado. E pode ser proveitoso. E provavelmente será o início de uma nova despedida.

Como diria Milton Nascimento “São só dois lados da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida. A hora do encontro é também despedida (...) é a vida”

E essa foi minha primeira despedida de verdade! E eu relembrei dela dia desses, quando estava no google maps olhando o mapa de Campinas.


Wednesday, January 30, 2013

Os primeiros, primeiros.

O senhor do sexto andar sempre viveu uma vidinha bem da pacata, não era de grandes viagens, grandes aventuras, grandes expectativas. Viver, para ele, era ter um trabalho para ir durante o dia e uma casa para voltar durante a noite, onde uma cervejinha o esperaria.

Depois de mais de 30 anos vivendo naquele apartamento veio o dia em que, de repente, o aquecimento central parou de funcionar. "Mas como?" Pensou ele "eu moro aqui ha tantos anos e nunca tive nenhum problema!"

Pois eh, meu senhor, sempre tem a primeira vez!

Contrariado o senhor do sexto andar chamou pela primeira vez na vida o encanador. Pela primeira vez um outro homem entrava em seu quarto de dormir: "no quarto de dormir so se entra quem ali dorme", ele sempre dizia. 

Foi descoberto um vazamento. O primeiro vazamento do apartamento do senhor do sexto andar. Para arrumar o tal do vazamento todo o prédio deveria ficar, pela primeira vez, sem aquecimento, ja que o encanador desligaria o sistema central. 

Todo o prédio, de 8 andares e 24 apartamentos, ficou entregue ao vento e ao frio, enquanto arrumava-se o primeiro grande problema da vida do senhor do sexto andar. 

Vazamento arrumado? Sim! Bora religar o aquecimento do prédio todo.  Como fazer isso? Mandando a água quente, vinda do subsolo, com forca por todos os canos ate chegar ao oitavo andar.

O senhor do sexto andar ja estava impaciente com tudo aquilo, afinal, tinha faltado no trabalho pela primeira vez na vida. Onde ja se viu, esta em casa numa quarta feira a tarde? Que seja a primeira e unica vez!

Aquecimento religado. O apartamento do senhor do sexto andar voltou a ficar quentinho! Pela primeira vez o apartamento tinha ficado gelado, em pleno Janeiro, numa semana com temperaturas abaixo dos -10C. 

O senhor do sexto andar ficou feliz. Pela primeira vez na vida ele ficou feliz, estando em casa numa quarta feira a tarde.

Horas mais tarde eu, Ira, voltei do trabalho. Nao era a primeira vez que eu fazia isso. Volto todos os dias, salvo sábados e domingos, quando ajudo meu marido, o Sheldon Copper, a resolver problemas de teoria de campo quantico-gravitacional-relativistico. 

Cheguei, entrei em casa... Tomei um banho bem quente... Fazia -12C la fora!

Sai do banho e, ue, como a casa esta gelada!

Vou ver meus aquecedores... Frios! Mas nem pra eu ter o super poder de aquecer as coisas, fazer fogo, fissão nuclear, nada... Nenhum dos meus super poderes me serve nesse momento, so me resta ligar, pela primeira vez na vida, para o sindico do prédio.

Sindico chega, entra pela primeira vez no meu apartamento (que fica no oitavo andar), anda por todos os meus cômodos, pisa em cima dos tapetinhos (ARGH) com as botas imundas.

Olha daqui, olha dali, tenta ver qual eh o problema... Percebo que as roupas do varal não foram recolhidas e que o sindico esta olhando pra uma calcinha de renda preta... Eike ódio!

Depois de 2 horas fica resolvido: o aquecimento não esta funcionando! 

Pela primeira vez ligo para o encanador, o mesmo que naquela tarde cagou o meu aquecimento ao concertar o do senhor do sexto andar. Ele fala que vira a minha casa, pela primeira vez, na manha seguinte. Claro que so na manha seguinte, ja eram mais de 22:00, ninguem trabalha nessa hora, nao ha primeira vez pra isso!

Assim, pela primeira vez dormi numa casa com temperatura de -12C, pela primeira vez usei um edredom e dois cobertores e pela primeira vez coloquei duas meias de esqui. Acordei com uma baita amigdalite, pela primeira vez. 

E o senhor do sexto andar? Gracas a Deus que ele nao dormiu, pela primeira vez, no frio, ne?

Monday, January 28, 2013

Promessa estúpida.

Conhece alguém que adora coca-cola?
Consegue imaginar a figura fazendo uma promessa de não beber nenhum refrigerante - inclusive coca - durante 365 dias?
Essa é a história dessa promessa estúpida, feita pela teen Electra, algum tempo atrás.... bem, muito tempo atrás. 
Olha que naquela época (ui, essa doeu...) coca-cola era só aos domingos, ou em festinha de aniversário. Pelo menos lá na velha infância era assim. Uma coca-cola litro, de vidro retornável, para todas família, acho que não dava um copo cheio pra cada um. E sem direito a reclamar!
Se você colecionou mini garrafinhas de coca-cola e viveu a febre dos ioios... sabe do que se trata! Coca-cola é isso aí!
Prazer, caro colega, estamos todos no mesmo time!
Um belo dia, um dia estupidamente quente desses que pedem uma coca-cola ainda mais estupidamente gelada... Electra descobre que a família vai se mudar. Vai mudar novamente. Só que dessa vez ela queria ser ouvida, dar opinião. Foi lá torrar a paciência materna para fazer valer seu voto, afinal era a primogênita, uma quase-adulta no alto dos seus 14 anos e merecia ser ouvida. Conseguiu descobrir as possíveis futuras cidades e escolheu aquela que mais convinha aos seus interesses. Imagine os altos interesses que uma adolescente que se achava a sabe tudo poderia ter...  Bem, nessa época ela tinha certeza absoluta que o mundo inteiro girava em torno do seu umbigo. E, se algo não girava, deveria ter seu curso alterado, de um modo ou de outro.
Como os meios normais de convencimento não estavam surtindo efeito, resolveu apelar para a piedade familiar e informou que ficaria um ano, um ano inteirinho, sem tomar refrigerante de qualquer tipo. E isso incluía a adorada coca-cola. Sabe-se lá como ou porque a promessa causou comoção e surtiu efeito. Toda família acabou por mudar-se para a cidade de sua preferência. Claro que isso foi uma coincidência danada, mas Electra tinha certeza absoluta de que tudo tinha acontecido por usa causa.
Assim sendo, comprometida com a palavra empenhada, iniciou sua provação no primeiro dia do ano novo. Nem preciso dizer que antes do Carnaval, debaixo daquele sol escaldante, já tinha se arrependido. Foi um ano a base de suco de uva, maracujá e caju. Quando não dava mais conta resolveu experimentar novos sabores, abacaxi, manga, mangaba, graviola, tamarindo... xarope de groselha, tang e lanjal. Imagina alguém que se traumatizou com lanjal? Electra tomou horror! Depois de uns meses não podia mais ver uma lata de suco de laranja que já enjoava (lanjal vem em lata, eca!).
Só de ver de longe uma coca-cola, os  olhos de Electra se enchiam de lágrimas... Para piorar as propagandas do refrigerante na televisão eram o máximo naquele ano. Parecia perseguição! Em todo lugar só via coca, coca, coca-cola!
Electra sofreu um ano inteirinho, passou trêmula pela tentações oferecidas (tomou água ou ki-suco nas festinhas em que ia) mas passou sem quebrar sua palavra. Claro que depois de um tempo já tinha se arrependido da promessa estúpida, mas... isso não era desculpa para ela. Só tinha uma palavra, não voltaria atrás.
O dia 31 de dezembro de 198X chegou então e com ele o fim da tormenta. Enquanto todos comemoravam a virada do ano à meia noite, ela enchia feliz um copão de coca-cola, cheio de cubos de gelo.

Cubo 1 - Será que é?
Cubo 2 - Tá parecendo...
Cubo 3 - Não deve ser...
Todos - É Coca-Cola!!!
Cubo 1 - Eu sou um cubo feliz!!!


Electra soube o que era ser um cubo feliz. Ela era um cubo feliz. O cubo mais feliz do mundo!!!

Sunday, January 27, 2013

moto, acidente, ossos quebrados,pai emburrado...prá tudo tem uma primeira vez!




Aos 17 anos, passei a faculdade prá noite e fui trabalhar para juntar dinheiro e comprar uma moto. Quando tinha o dinheiro no banco, meu pai me disse:
- Tem o dinheiro?
- Tenho!
- Deixa eu ver o extrato
Mostrei.
- Deixa que eu pago a moto. Já que você vai mesmo comprar essa ***** não falei merda por que esse é um blog de respeito, mas meu pai falou!  deixa que eu pago.
Eu já tinha tirado carteira de motorista motoqueira e minha moto foi entregue pela concessionária, na porta da minha casa. Veio de caminhão, da cidade vizinha. Um luxo só.
Liguei pro meu pai:
- CHEGOU! CHEGOU! CHEGOU!
- Não saia de casa. Espera eu chegar.
Fiquei arrasada. Como "não saia de casa"? Liguei de volta:
- Ô secretária do meu pai, fulana, avisa o meu pai que eu mudei de idéia e vou sair com a moto.
- Peraí, fala com ele.
- Não! Nããão. Nãããão precisa. Só dá o recado, tá?
Desliguei correndo e me lembrei que eu tinha esquecido de comprar o capacete. Peguei a moto decidida a ir a busca de um novo e reluzente capacete, que me protegeria nas minhas aventuras pelo transito campineiro.
Esqueci também que eu não sabia mudar a marcha da moto ( não me ensinaram na moto-escola), nunca tinha dirigido NADA no transito, não sabia direito o caminho da concessionária, e fui assim mesmo.
Logo no primeiro sinal eu percebi que eu também não sabia parar a moto.
Destemida louca, desvairada e inconsequente, me aventurei pelo transito daquela sexta feira.
Encontrei no meio da bagunça, um ex namorado que ficou desesperado ao me ver dirigindo a moto. Ele tentou me acompanhar, mas por um desses azares, nos perdemos no transito.
Cheguei a concessionária, não consgui parar a moto ( já estava considerando rodar até a gasolina acabar), e virei a moto na direção da minha casa. O negócio era voltar pro meu bairro, ver se eu conseguia pensar numa solução pro meu probleminha recem adquirido.
Num sinaleiro demorado, não consgui diminuir a marcha o suficiente para enrolar até o sinal ficar verde, e meti a moto no meio de uma avenida cheia de carros vindo em alta velocidade.
O carro me acertou em cheio, eu voei feito uma batata e me estatelei no asfalto.
Sangue prá todo lado, perna quebrada ( fiquei engessada 6 meses), perda total na moto, nada disso foi pior do que a ligaçãozinha que eu tive que fazer antes de ir pro hospital.
- Alô, mãe?
- Fala aqui com o seu pai...
- Pai?
- Já quebrou o chifre?
- Quebrei. To indo pro Vera Cruz, a ambulância está chegando.

Essa foi a primeira vez que eu desobedeci meu pai
Foi meu primeiro acidente de moto ( e o mais feio)
Foi o primeiro osso que eu quebrei
Foi a primeira vez que meu pai ficou dias sem falar comigo ( nem me buscar no hospital ele foi. mandou a minha mãe sozinha)
Essa foi a primeira vez que eu acionei um seguro 
Foi a primeira vez que eu andei de muletas, cadeira de rodas por que realmente precisava

Mas ainda não foi dessa vez que eu criei vergonha na cara. Quando sai do gesso, voltei prá moto!





Saturday, January 26, 2013

O primeiro busão - Cristiano -Blogueiro convidado

Essa semana achei que o gaiola estava "normal" demais e resolvi chamar um mineirinho bebe-quieto pra agitar a parada por aqui!
O Cristiano, do Nada Demais é aquele cara que conhece as figuras mais estranhas interessantes, passa pelos causos mais estapafúrdios inusitados, e conta tudo na maior calma do mundo, como se todo mundo pagasse os micos tivesse a oportunidade de viver as experiências que ele vive.

Primeiro Busão

Eu estudei até os 10 anos em uma escola publica no bairro. Ia a pé e voltava a pé todo mundo junto. Mas com 11 anos meus pais tomaram uma decisão importante. Eu iria estudar em uma escola particular de confiança deles longe de casa.
No primeiro ano eu ia de especial que era muito ruim almoçava muito cedo (nunca via o final da TV Colosso) e voltava tarde (nunca via o começo de VAMP). Não sei se isso foi um peso da balança, mas meus pais tomaram uma decisão importante. Eu iria de ônibus a partir do segundo ano.
Parece bobo, mas com 12 anos eu nunca tinha saído do meu bairro sozinho de ônibus. Era sempre acompanhado. Antes do primeiro dia de aula meu pai, que tinha vasta experiência no assunto sentou comigo para me explicar como era:
- Olha não tem segredo você vai dar sinal entra no fundo e fica lá na frente quando você ver o cemitério você dá o sinal. E PELO AMOR DE DEUS NÃO FIQUE DE FRENTE PARA O CORREDOR NÃO TEM COISA MAIS IRRITANTE QUE GENTE DE FRENTE NO CORREDOR.
Eu realmente achei que isso era uma falta grave, porque meu pai literalmente se alterou falando de gente que fica de frente para o corredor. Nunca fiquei.
Engraçado que só de sair de casa naquela manhã sozinho para ir para escola me senti mais adulto. Ver o pessoal de outras escolas indo para suas escolas fez eu me sentir parte deles, mas claro que eu estava morrendo de medo. Inseguro é um defeito meu. Sou tão inseguro que acho que o medico falou comigo depois deu nascer:
- Pode chorar, menino.
Minha cara de medo era tão grande que ao subir no ônibus o trocador perguntou se estava tudo bem. Falei que sim e pedi em voz baixa e gaguejando que eu queria descer perto do cemitério. Ele disse:
- Senta ai e quando tiver chegando eu te falo.
O ponto chegou e eu fui para escola, menos tenso e relaxado. Estranho como uma simples viagem de onibus foi o primeiro dia que eu senti responsável por mim.
:)
Ps. Este foi meu primeiro post encomendado
Ps. do Ps. E eu tô extremamente inseguro por causa disso. Hahaha

Friday, January 25, 2013

Gratidão

Eu passei 6 anos e meio na faculdade. Não é algo do que me orgulhe ou me envergonhe. Era algo que precisava ser feito, e eu simplesmente fiz.
Me formei num momento bastante turbulento da minha vida. Eu não tive a oportunidade de estudar na cidade onde eu moro - simplesmente porque ninguém tem essa oportunidade - então o negócio era enfrentar diariamente o trânsito carregado entorno-brasília.
E eu fiz dois estágios durante o último período da faculdade, não porque eu PRECISASSE daquele dinheiro a mais, mas pra ter o conforto de contar com um dinheirinho a mais que o de pagar as dívidas mensais. 
Junto com os dois estágios, eu tinha que fazer o estágio obrigatório da faculdade uma vez por semana e a monografia. 
A monografia, ou melhor, o pânico que eu sentia dela, me fez sair da academia, me fez deixar de tocar violão, me fez ficar com um humor de coruja velha. 
Eu me tornei uma pessoa amarga nesse período. Eu mal conversava com as pessoas que conviviam comigo, apenas chegava no trabalho e ia escrever, depois chegava em casa e voltava a escrever. Me julgava no direito de reclamar de tudo e todos que me "incomodassem". No quesito incomodar, enquadravam-se mesmo as minhas obrigações do trabalho. 
E eu estava me achando a pessoa mais esforçada e cansada do mundo inteiro. Não importava nada do que acontecia de bom, porque eu só tinha olhos pra ver como era cansativo ter dois estágios e ainda estudar depois.

Vocês também não morrem de peninha de mim?
Então, logo que apresentei a monografia, vieram as minhas férias em um dos estágios. De modo que a única coisa que eu tinha pra fazer era ir para o estágio da tarde e ficar lá entrando na internet. E pensando em como aquele descanso era merecido, afinal, tinha sido o semestre mais difícil de toda a faculdade.

Só que a vida sempre dá um chacoalhão na gente quando a gente está se achando boa demais.

E, numa manhã de sexta feira, a última das minhas férias e uma semana antes da minha colação de grau, eu acordei de manhã normalmente e, quando fui ao banheiro, vi em cima da bancada uns cremes da minha irmã que eu tinha esquecido ali. E ela não se importa muito em me emprestá-los, desde que eu os guarde no lugar. Quando me dei conta que tinha esquecido algum creme ali, fui virar pra trás pra ver se eram um dos meus ou dos dela e... meu pescoço estralou. 

Foi o tempo de voltar correndo para a cama, deitar, e não conseguir mais levantar. Estava com um torcicolo terrível: o primeiro da minha vida. Eu nunca tinha tido torcicolo antes, mas não foi difícil reconhecer. Deitei na cama e não era capaz de mover um centímetro da minha cabeça para lado algum. Foi a dor mais forte que já senti na vida. 

E eu chorei. Eu não me lembro de chorar muitas vezes depois que eu fiquei adolescente. Nos últimos 14 anos eu fui durona, sabe?, ninguém tinha o direito de me fazer/ver chorar.

Mas o que me fez chorar, além da dor fortíssima, foi o sentimento que me invadiu. Naquele momento em que me vi paralisada em cima da cama - porque se eu movesse um dedo do pé a dor era imensa - eu me dei conta de como eu tinha agido ridiculamente no último semestre. 

Eu percebi que tinha tido maravilhosas oportunidades, que tinha feito escolhas ao meu gosto, e que mesmo assim eu só sabia me queixar. Que eu tinha tudo o que eu podia querer naquele momento, como frutos das sementes que plantei durante a minha mixuruca vida acadêmica, que eu tinha mais oportunidades que muitos amigos meus que se esforçaram mais que eu, e que mesmo assim a única coisa que eu fazia era me queixar de como aqueles frutos me cansavam, de como eu era injustiçada na vida.

Eu me dei conta de que eu sempre tive uma saúde maravilhosa, e que nunca tinha me dado ao trabalho de agradecer por ela. Eu usufruía dela com prazer, mas nunca tinha parado pra pensar em quantas pessoas não a tem e, consequentemente, dar valor de verdade à que eu tinha.

Eu me dei conta de que tinha uma família imensamente paciente, que cuidava de mim, se importava com o que me acontecia, tentava me compreender e apoiar mesmo nas horas em que eu estava mais irritante, e mesmo assim eu me julgava no direito de brigar com eles só porque eu estava estressada com a monografia. 

Eu lembrei mais uma vez de como o fato de meu orientador na monografia ter sido um zero a esquerda não influenciou em nada, já que meu advogado particular (chamado Nego) corrigiu capítulo por capítulo, parágrafo por parágrafo, palavra por palavra, e ainda teve a paciência de suportar minhas crises de TPM (Tensão Pré Monografia).

Eu me dei conta do quanto eu era mal agradecida. Embora eu agradecesse a Deus e à vida pelas chances e oportunidades, eu me dei conta de que esse agradecimento sempre tinha sido da boca pra fora. Tinha sido um agradecimento no qual eu dizia a mim mesma que eu era o máximo, que eu tinha conquistado tudo sozinha e que ainda assim eu agradecia era a Deus. Deitada naquela cama, o ápice de todo o sofrimento físico que eu já tinha sentido em toda a minha vida, eu me dei conta de que eu era uma grande babaca. Uma idiota que nem ao menos sabia agradecer pelas maravilhosas bençãos com que era presenteada diariamente. 

E eu chorei. E pedi perdão a Deus, à vida, por andar sendo tão tão tãããããão imbecil. E agradeci por tudo, pela primeira vez com a certeza de que estava sendo sincera.

Depois, é claro, eu fui pro hospital e coloquei aquele colar básico no pescocinho. Três dias tomando banho de ladinho, e parece que o médico sabia que eu tava merecendo sofrer porque não me passou remédio nenhum pra combater a dor. 

Essa foi, ao mesmo tempo, a primeira vez que tive um torcicolo e que me dei conta de o quanto a vida e o corpo que a gente tem são valiosos. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de ser sincera no que eu agradecia.

E você, já agradeceu hoje?

Thursday, January 24, 2013

A Louca do Panetone



Natal é uma época naturalmente alegre. Mas pra mim, a alegria começa mais ou menos em outubro, quando começam a aparecer os panetones.

E eu amooo panetone! Pode ser de frutas, de chocolate, de vento, de carne moída, qualquer um! Mas tem que ser da Bauducco (Você ai, da Balducco, que tá vendo que eu to fazendo comercial de graça, por favor mande uma cesta com panetones lá pra casa).


No desespero até aceito comer um Tommy, que é da mesma fábrica da Balducco (pelo menos lá na caixa tá o mesmo endereço de fábrica), mas o bom mexxxxxmo (como diria a amiga Rainha de Copas) é o da Balducco.

E eu passei comendo essa iguaria dos Deuses de outubro até o começo de janeiro. Fui comprando, comendo e tentando estocar.



O guarda roupas do quarto de hóspedes chegou a ter 6 escondidos pra ninguém pegar. Mas num durou muito.

Dai que eu fui passar minhas férias longe de casa, comi o panetone da casa dos outros, e quando voltei percebi que tinha que repor o estoque.

Comei uma jornada sem fim de busca ao panetone nos mercados da cidade. No primeiro, no lugar das caixinhas amarelas, tinham latinhas de cerveja. No segundo, tinham enchido de pão a prateleira de panetones. No terceiro só tinham panetones Visconti (não gosto!!!).

Dai começou a bater o desespero. A mão tremia, o corpo todo suava frio, a visão começou a ficar turva... Entrei no quarto supermercado (o último da cidade de Townsville) e, rastejando, cheguei perto de um dos funcionários e perguntei: Num tem mais panetone? Num tem nenhum lá no estoque guardado? Ou vencido?


Foi então que uma luz desceu dos céus sobre aquela pura alma e ele falou: Sonhora, tem uns ali, perto do caixa... mas não têm muitos...

As lágrimas brotaram dos meus olhos e eu fui correndo até onde o mocinho havia falado. E eis que estava ali, uma pequenina pilha de panetones especiais da Balducco, com cobertura de castanhas, e uma cesta de natal, da mesma marca, que embalava, além de umas bolachas, DOIS panetones (um de frutas e um de chocolate).

Agarrei a cesta e mais quantos panetones eu podia segurar (exatamente mais 4) e fui pro caixa pagar.

E de tamanha a felicidade em achar aquelas últimas guloseimas raras nem me preocupei em ver quanto ficou a conta.

O Prefeito pagou! Foram 140 reais em panetones! PUT@ PANETONE CARO DA P*RR@!!!

O povo aqui em Townsville, contrariando o resto do mundo, quando passa o natal aumenta o preço do panetone ao invés de abaixar.

Foi a primeira vez que gastei tanto dinheiro com tão poucos panetones... e apesar de eu amar muito, JURO QUE FOI A ÚLTIMA.

Da próxima vez encho o quarto de hóspedes todo com as caixinhas antes do natal. Assim fico com o estoque cheio e evito visitas.

Wednesday, January 23, 2013

E a Ira sofreu...

Não Ira, aquele sentimento ruim e baixo... Aquele pecado capital... Nao.. A Ira em questão sou eu.

Ja que a Rainha de Copas resolveu contar sobre a experiencia de ter sido "sentada" por uma gorda, eu gostaria de contar um causo que sucedeu comigo, muitos anos atrás.  

Antes gostaria de contar um dos meus super poderes inúteis. Eu podia voar, eu podia ler o pensamento das pessoas, eu podia transformar pimentões (que odeio) em ouro... Não, eu tinha que ter só poderes toscos... Um deles eh uma premonição para merdas. Quando digo merda quero dizer que consigo saber quando vou me ferrar, com minutos de antecedência, e isso só para me torturar, porque eu NUNCA consigo mudar muito o futuro trágico que acabei de pressentir.  

Foi assim quando certa noite acordei do nada, sabendo que a menina da 6 serie tinha repetido de ano e estudaria na minha sala. A mesma menina que no recreio tentou me bater varias vezes e vivia me xingando. Não deu outra, primeiro dia de aula e la estava a garota. Sofri o ano todo com ela me "bullynando". 

Também foi assim quando eu tive uma visão de que quebraria o meu dedo e segundos depois estava no chão. Cai por cima da minha mão direita e quebrei um dedo. Eu ja sabia que ia quebrar e não consegui fazer nada para mudar aquilo. 

Poderia ficar aqui contando todas as vezes que tive premonição de alguma merda que estava por vir, mas vamos ao causo em si. 

Primeiro ano do curso de física. Aqueles bocós dos centros acadêmicos organizaram uma Olimpíada entre os "bixos" (calouros) e nos obrigaram a jogar. Não era só um joguinho ou outro, era TODO tipo de esporte que vocês podem imaginar... Futebol, peteca, natação, basquete, xadrez... 

Como no curso de física normalmente tem 1/2 menina foi dureza, porque nao tinha coro para os times. Juntaram a física com a matemática (serio, matemática? E la tem mulher cursando matemática?) e conseguiram formar um único time, que ia jogar TODOS os esportes possíveis. Enquanto a Educação Física tinha um time para cada modalidade, a gente jogava uma coisa depois da outra, por dias a fio... Chegou uma hora que estávamos fazendo gol na cesta de basquete e cesta no gol de handball. Samba do físico doido! 

Por um milagre divido chegamos a final em duas modalidades... Volei (aquele esporte que me odeia) e basquete (minha grande paixão).  

A final do vôlei foi contra a Educação Física... Perdemos de lavada.. Tomei cortada na cara... delicia! 

No basquete também perdemos! Mas olha, essa derrota me foi, literalmente, mais doida. 

Assim que chegamos na quadra para a grande final eu avistei uma gorda do time rival (da Estatística), perai, gorda não... Era uma menina enooooorme! Ela tinha a minha altura (1,80m) e provavelmente o triplo do meu peso. Daquelas pessoas que definitivamente tinham uma doença, porque ela era ate deformada, tive muita pena daquela menina, pois fiquei imaginando o quanto dela deve ter sido sacaneada na vida. 

Assim que eu vi essa menina eu disse pras garotas do meu time: "essa mulher vai cair em cima de mim hoje"

Todo mundo rui... Acharam que eu estava sacaneando com ela... Mas não, eu ja tinha ate visto a cena na minha mente... 

Começou o jogo e eu tentando fugir da gorda... Quando ela tentava me marcar eu saia correndo... Ate cheguei a perder a bola de proposito so pra ela não chegar perto de mim... Eu acho que ela foi ficando irritada, porque além dela ter notado que eu so corria dela, ainda tinha a torcida da física que ficava tirando sarro... Falando coisas horríveis pra ela. 

Foi então que  uma bola bateu no aro e eu pulei pra pegar... Assim que meus pés deixaram no solo terrestre eu senti uma mudança na atracão gravitacional, devido ao corpão da gorda de deslocando em minha direção (olha eu fazendo piada de gordo... Coisa feia!). Peguei a bola e quando estava tentando voltar pra Terra levei uma rasteira da gorda e cai... Nao contente a mulher se JOGOU em cima de mim, igual aquelas lutas de Super Catch.

Socorrooooo!
Eu tive então uma experiencia quasi morte. De repente ouvi o som de serafins e querubins... E la estava Deus, sentado em seu trono de esplendor (não tem acento nessa palavra?)... Vi o banquete a que a bíblia se refere, com as fontes de Coca Cola gelada e os baldes de camarão, junto a sorvetes de chocolate. Fui feliz e saltitante em direção a gloria, quando Ele, Deus, me disse que eu ainda era muito nova para morrer, ainda mais sendo esmagada por uma gorda. 

Nesse momento acordei... Tinham jogado água na minha cara... hunfs

Eu consegui me levantar... Vi que estava com todos os ossos intactos... Mas tinha virado um ser bidimensional, porque a gorda me amassou! E sabem o pior? A gorda estava rindo! RINDO! 

Ela não me pediu desculpas... Ela estava gargalhando! 

Então, antes de me retirar pro banco de reservas (que não tinha ninguém) eu so consegui dizer: "você acha que vai resolver todos os problemas da sua vida se jogando em cima deles? Sua gorda!"

Foi feio, foi baixo... Mas foi o máximo que consegui dizer. 

Todo mundo que me ouviu profetizar que seria esmagada pela gorda disse que eu devia usar esse poder para algo mais proveitoso... Serio, gente? E vocês acham que eu escolhi isso? 

Hunfs.

Monday, January 21, 2013

Bloqueio criativo

Quem nunca teve um bloqueio criativo? 
Electra nunca teve, e olha que criatividade bem como agilidade era seu ganha pão, bem como o turno da noite no manicômio geral. Para ajudar no leitinho das crianças, Madame Perrier havia aceitado esse trabalho. Não era nada agradável ter que aturar aqueles corredores fedidos, mas rendia uns trocados extras além do salário. Sempre tem um doido interno querendo cigarro, jornal, telefonema não autorizado e outros pequenos mimos. Claro que tudo envolvia um custo. 
Electra é micro empreendedora.
Naquela semana Electra estava petrificada, cansada e exaurida. Tudo que queria era chegar na sua batcaverna e dormir alguns milhares de anos. Dormir era inviável desde que havia se jogado de cabeça numa aventura chamada maternidade. Nada a havia preparado para isso. Nem mesmo os anos que passou numa cela em Teerã. Sentia saudades daqueles tempos, era respeitada naquela cela imunda. Agora tudo que tinha era o quarto de controle como chefe de segurança no hospício. Hospício não, repetia mil vezes seu contratante... Casa de Descanso.  Ela entendia de eufemismos. A delicadeza é essencial, pensava enquanto polia sua arma de choque.
Electra é sutil.
Ao chegar no trabalho, no começo da noite, recebeu a lista atualizada dos seus loucos  clientes quando percebeu que havia um novato. Doctor estava lá, tinha dado entrada naquela tarde. Já havia sido posto na solitária. Bem típico, o Doc que ela conhecia detestava dividir algo. Seja trabalho, cela, quarto, cama ou namorada. Isso havia causado alguns problemas de relacionamento. Problema era a palavra certa para resumir todo e qualquer encontro de Electra e Doc. Como naqueles filmes classe B, o passado voltava para assombrá-la. Destestava clichês de filmes. Detestava mais ainda um "vale a pena ver de novo".
Doc é comida requentada. Doc Fausto além de tudoooooooooooooo é mauricinho. Se Electra não dava conta dele há 20 anos atrás, imagina agora. Mauricinho velho? Eca!
Só que apesar de não ser museu pra viver de passado e de não gostar de repetir refeição... Electra perdeu a pose, o rebolado e a voz ao dar de cara com aquele homem. Não sabia o que pensar, o que dizer ou fazer.
O que a deixou assim? Primeiro dar de cara com aquele fantasma da ópera. Segundo que ele veio contar os dias  93275918652398147320941 desde a última vez que a tinha visto, no século passado. Electra riu e desdenhou, como sempre. Ele puxou uma calculadora (telefone faz tudo hoje em dia!) e provou por A + B que a conta  estava correta. E ainda contou detalhes da roupa que usava - quandocomo&onde - estava... Electra estancou sem saber o que dizer. Bloqueio criativo completo.
Quem nunca?

Sunday, January 20, 2013

O primeiro fora a gente nunca esquece



Eu me acho me achava a rainha da cocada preta, branca e mesclada. Namorava quem eu bem entendesse e nunca, nunquinha me passou pela cabeça que alguém não fosse querer namorar comigo. Eu tinha 16 anos.
Acontece que eu arrumei um namoradinho que era um fofo. Engraçado, divertido, inteligente, bonzinho de tudo, mas que fazia a maior pinta de mau. Usava um cabelo punk, se vestia sempre de preto, fazia a maior pompa.
Um dia ele atrasou prá chegar na minha casa. Quando ele apareceu, eu surtei. Armei um escarcéu. Gritei e esperneei. Quem ele pensava que era para me deixar esperando, plantada?
O que eu não imaginava, nem de longe, é que ele tinha ido á minha casa para me dar um pé na bunda, por que ia voltar com uma ex namorada sonsa e sem graça.
Ele tentando me explicar que estava terminando, e eu não entendia. Não entendia mesmo. Levar um fora era um conceito completamente alienígena para mim, e o pobre garoto se esforçando prá terminar comigo e eu viajando na maionese, achando que ele estava falando alguma outra coisa.
Foi duro, mas eu finalmente entendi.
E foi a maior dor que eu já senti na minha vida. Passei uns 8 meses chorando escondido de madrugada, escrevendo longos textos sofridos, em total protesto á injustiça. E para provar a minha reprovação, eu sentava de ponta cabeça no sofá. No sofá da recepção do prédio, no sofá da minha escola, no sofá da minha casa, da casa das minhas tias, em qualquer sofá que eu resolvesse me acomodar.
Hoje, eu entendo perfeitamente essa minha revolta. A menina se chamava Josecreide Edileuda - ou alguma coisa do gênero. Tem humilhação maior?

Friday, January 18, 2013

Historia de uma batata - Cristina - blogueira convidada

A Cris tem um blog muito divertido. Ela jura que eh psicótica, eu ja acho que ela eh engraçada e inteligente. Ta ai a contribuição dela pro blog, pra vocês julgarem.

Também vale uma visitinha ao blog pessoal dela, que embora seja cor de rosa (judging extra hard) eh muito bom! 

Com vocês, a historia da batata!

Ira Fermion


Tudo começou em 1984. Eu tinha 6 anos de idade.

Em um belo dia de sol (parte meramente ilustrativa, não me lembro como estava o tempo) eu e meus 5000 primos brincávamos alegremente no quintal da casa de vovó. Sim, são muitos primos e primas. E para que vovó não ficasse louca, existiam algumas regras a serem seguidas.

Regras:

Não brigar, não correr, não subir em árvores, não fazer maldade com os cachorros, gatos, papagaios, galinhas, não subir em muros, não atravessar a rua correndo, dividir seus brinquedos com os outros, não mexer com os vizinhos, não entrar sujo dentro de casa, não, não e não abrir a portinha de aço do fundo do quintal.

Eu não sei se isso acontece com vocês, mas toda vez que alguém me fala não eu faço e quando alguém me fala sim eu perco a vontade de fazer. Deve ser genético isso, pois com meus primos também acontecia a mesma coisa.

Eu já apanhei muito dos primos, já bati bastante. Levei mordida de cachorro, arranhão de gato, bicada de papagaio, bicada de galinha, já despenquei de ponte (os primos da frente não me avisaram que não podia pisar em uma “talbinha” da ponte e eu cai no rio), já incendiei um primo brincando de fogueira, mas nunca, nunca mexi na tal portinha do fundo do quintal. Nunca mexi, pois toda vez que fizemos alguma tentativa para isso e éramos descobertos, minha avó gritava: Tem monstro aí dentro! Na verdade nunca achamos a chave do cadeado e nunca conseguimos estourar o cadeado. Mas ela sempre gritava: Tem monstro aí dentro!

Nesse belo dia de sol, estávamos todos brincando no quintal, quando uma das primas mais velhas gritou: Vai passar o filme do Michael Jackson. Quem? Eu era apenas uma menina de 6 anos, a caçula dos 5000 primos e só sabia cantar músicas da Chiquititas. Porém, como todos saíram correndo para a sala, e lá fui eu atrás.

Todos sentadinhos, e começa o filme que na verdade era um clipe chamado Thriller. Como caçula, tive que sentar no chão. E ai começa meu sofrimento.

Tudo indo bem, musica legal, até que o tal do Michael resolver virar lobisomem. Eu não caguei, pois o furico estava tão preso, mas tão preso que não passava nem agulha. E eu não podia demonstrar medo, pois caso contrário, os mais velhos iriam rir da minha pessoa. Depois aparece um cemitério, e ai tem zumbis saindo das covas, e ai eles dançam e ai não teve jeito, eu borrei a calcinha. Que desespero. Mas eu não podia falar nada.

Quando terminou o clipe, eu não conseguia me movimentar. Minhas pernas tremiam, minhas mãos estavam geladas, e tinha o fator calcinha. Fiquei lá imóvel, sozinha, paralisada. Até que apareceu a avó e gritou: Olha a bagunça que vocês fizeram, some daqui menina antes que a cinta cante nas suas pernas. Sim sou do tempo em que cintas cantavam nas pernas das crianças e isso não as tornavam adolescentes delinqüentes e nem as mães corriam o risco de serem presas. Corri para o quintal.

Depois de um tempo, meio que brincando fazendo de conta que estava tudo bem, um dos primos resolve dizer: Batata você está cheirando merda. Gelei. Vieram todos os 5000 primos correndo para cima de mim e constataram que eu havia feito merda literalmente. Riram, rolaram no chão, tripudiaram com a minha pequena pessoa (mentira essa parte da pequena pessoa, eu tinha apenas 6 anos, mas era gorda igual a uma bola de basquete, por isso o apelido de batata).

Caçula merece ajuda? Não! Caçula é o ser mais judiado da face da Terra. Em vez de eles me ajudarem, chamarem à avó, as tias, a mãe, o bombeiro, tiveram a brilhante idéia de me trancarem dentro de um guarda roupas velho, em um quartinho que tinha no fundo do quintal, bem ao lado daquela portinha intocável onde existiam monstros.

Fiquei lá, por um bom tempo, trancada no escuro, cagada, e lembrando-me de todos os monstros e da portinha. Vi lobisomem, zumbi, monstro do lago Ness, fantasmas e até já havia conhecido a Samara e a Bruxa de Blair. Não sei como não morri de medo e sufocada.

Só sei que até hoje, minha gente, com 34 anos de idade, eu nunca, nunca, nunquinha assisti a um filme de terror tamanho o medo que meus 5000 primos me fizeram eu sentir naquela bela tarde na casa da avó.

Se alguém tiver a curiosidade de saber como consegui sair de lá, minha mãe sentiu minha falta na hora de ir embora, ai alguém resolveu contar que eu estava presa, cagada e assada.

Se alguém pensa que ela foi à criatura mais doce do mundo frente a minha situação, enganam-se. Apanhei por ter cagado nas calças e por ter deixado os 5000 primos judiarem de mim. Mamãe disse: Você é uma menina ou um saco de batatas?

Aos prantos respondi: Sou uma Batata, lembra mãe? Eles me chamam de Batata.

Prazer: Sou Cristina, a psicótica! Acho que tenho um bom motivo para ser assim.

P.S: O que era aquela portinha? Anos mais tarde descobri que era apenas uma passagem para o quintal do vizinho.

Apelidos

Lá pelos idos de 1996, meu pai resolveu me transferir do colégio particular em que eu estudei a primeira série para escola pública que tinha em frente a nossa casa.

Logo no primeiro dia de aula, quando entregaram o livro de português eu dei uma folheada e vi que lá pelo fim do livro tinha um texto sobre o casamento da Emília e do Rabicó. Fiquei morrendo de medo de chegar o dia de estudar esse texto e todo mundo ficar dizendo que eu era a Emília e ia casar com um porco, ou pior, que algum menino da sala era o Rabicó.

Olhaê minha cara animada.
Mas não tive que me preocupar com esse apelido, porque logo me arranjaram um: Santinha. Por que? Só porque eu ficava muda o tempo inteiro, chorava se apagassem o quadro enquanto eu copiava, tirava boas notas e tinha medo de todo mundo.

Santinha? - você deve estar pensando - Desde quando ter apelido de Santinha é problema, é motivo pra se escrever um post no Gaiola? Calma, crianças, a história prossegue...

Na escola em que eu estudava antes, o banheiro até que era limpo. Mesmo assim minha mãe mandava um pano molhado com álcool pra eu limpar tudo antes de usar, acrescentando, é claro, a recomendação de que era pra limpar tudo e mesmo assim não encostar em nada. Minha mãe era uma mãe limpinha, estão vendo?


A nova escola, por outro lado, como todo colégio público que se preze (pelo menos na minha época), tinha telhado colonial de onde caíam ninhos de passarinhos, tinha um quintal de terra vermelha pros alunos se sujarem brincarem na hora do recreio, e tinha também um banheiro escuro e sujo, cheio de frases e desenhos obscenos pelas paredes.
Pacote básico: sujeira, riscos na parede, loira do banheiro...
Como eu morava na frente da escola, no primeiro dia, quando senti vontade de ir ao banheiro, fui até a professora e pedi pra ir ao banheiro - na minha casa, é claro. A professora achou estranho, mas deixou. Encontrei a diretora pelo caminho, que achou estranho também, mas deixou. Cheguei em casa, fui no banheiro, fiz xixi e encontrei minha mãe logo na saída.
Estranhamente, minha mãe é que não gostou de eu ter ido em casa fazer xixi. (OBS: pura implicância dela. Não sei o que tem de problema numa menina de 7 anos ficar andando sozinha pela rua pra ir fazer xixi em casa.) E ela me recomendou que eu não fizesse mais isso. E me disse pra usar o banheiro da escola mesmo, tendo o cuidado de me ensinar novamente a jamais JAMAIS! encostar em nada lá dentro.
Como mãe zelosa que ela era, cuidou de colocar na minha mochila um item indispensável para quem vai ao banheiro fora de casa: uma sacolinha com papel higiênico. Quanto papel higiênico? Um rolo inteiro.
A partir de então, toda vez que eu queria ir ao banheiro eu pegava minha sacolinha - com aquele rolo inteiro de papel dentro, pedia pra professora pra sair e ia, toda faceira.


Acontece que criança tem o espírito ruim de fazer medo.
Logo perceberam que na minha sacola tinha um rolo inteiro de papel e, como todo mundo ia ao banheiro e não usava papel nenhum, me apelidaram de... Cagona.

E foi assim que eu me livrei de ter como primeiro apelido "Emília, a namorada do Rabicó" para ser chamada de "Santinha cagona".

***

Uns tempos atrás, antes do Gaiola, eu recebi um email do meu irmão: "Santinha cagona, achei seu blog. Por que nunca contou pra gente?"
Moral da história: O primeiro apelido a família nunca esquece.

Thursday, January 17, 2013

E eu que nunca tinha ficado sem o "vão"...


Esse post é sobre a primeira vez que o "vão" não estava mais lá...

Explico:

Pois é, quando eu era mais nova não entendia o desespero da mulherada querendo emagrecer.

E elas eram bonitas. Tinham peito, bunda, coxas e uma leve barriguinha que ninguém nem percebia. E pra mim, ainda assim eram magras.

Mas na verdade, EU era magra. Não era ser um “magra” assim, só magra. Eu era seca. Esquelética. Daquelas que quando andava as coxas nem encostavam uma na outra, ficava um "vão" entre as pernas. 

Passei anos complexada porque minha mãe não me deixava colocar shorts nem saia curta porque ela falava que ficava muito feio (obrigada, mãe, pelos anos de terapia que eu tive que fazer...).

E eu via aquelas mulheres reclamando não sei de quê, porque elas eram perfeitas. Se elas fossem iguais a mim, ai sim elas iam ver o que era bom pra tosse. Maldito "vão".

E eu cresci esperando o dia em que eu ia engordar (e ter peitos). Dai o tempo foi passando, eu parei de crescer, fui ficando mais velha... dai um dia, de repente, TCHANANNNN!!!!!!

Os peitos cresceram???? Nãããooo!!! Continuam pequenos e eu continuo esperando eles crescerem. Dai agora umas 3.567 mulheres acima dos 40 devem estar pensando/falando: Quando você tiver filhos eles aumentam (já escutei isso muitas e muitas vezes)... Dai eu te pergunto: Pra que diabos é que eu quero ter peitões depois que tiver filhos? A ideia não seria ter peitões para achar um pai pros futuros filhos... Bom, já foi... já passou... eu já superei essa história de ser despeitada (na verdade não) e eu vou voltar para o assunto do post.

Então... TCHANANNNNN!!!! Eu me agachei e elas estavam lá!!! Celulites na batata da perna.


E elas não estavam só ali. Elas estavam por TO-DOS-OS-LU-GA-RES!!!

Não contente com isso, meu corpo resolveu se rebelar e eu comecei a perceber coisas estranhas... quando eu me sentava como indiozinho no chão, minha barriga já não fazia uma forma côncava, mas sim convexa; comecei a reparar que, quando eu fazia movimentos bruscos com os braços, eu sentia a carne descolada do osso, se balançando toda; percebi que quando eu usava calça jeans, se formava uma ondulação logo acima da calça (tipo uma bóia); comecei a suar entre os peitos (que continuam ridículos) e a dobra que fazia logo abaixo deles...

Foi então que eu me peguei, desesperada, perguntando pra mim mesma quando foi que tudo isso aconteceu. Algum ET deve ter me abduzido, trocado meu corpo e me devolvido à Terra.

E foi nesse momento de profunda angustia que eu entendi! Entendi o porquê do desespero daquelas mulheres em querer emagrecer. E era justamente porque, um dia, elas também tiveram um "vão" entre as coxas.

Mas olha, viu, você que tá ai querendo o "vão" de volta... o "vão" se foi... e o "vão" não volta...

E, viu, você ai, que tá achando que é uma merda ter o "vão" e que tá doida pra preencher esse vazio... Você vai sentir falta dele um dia...

Porque a primeira ralada de coxa, num dia de calor, a gente nunca mais esquece... (mesmo tentando muito).


Tuesday, January 15, 2013

Minha primeira grande vergonha...

Voces se lembram quando foi que passaram uma grande vergonha na vida?

Eu me lembro... Foi um divisor de águas, foi um momento único e angustiante na minha vida de pre adolescente herói com super poderes. Depois desse dia eu voltei a me sentir muito, mas muito envergonhada, mas acho que aquele gelo no estomago, aquela dor, ela eh genuína da primeira vez.

Por ser um tanto quanto burrinha avoada eu já tinha dado ao universo varias oportunidades para me trollar. Por exemplo, embora todo mundo tenha se matado de rir, eu não morri de vergonha quando dei com a cara numa porta de vidro, eu ri junto! Eu não me rasguei de vergonha quando todo mundo da minha escola ficou tirando sarro das minhas luvas com pon-pons - que eu insisti em usar num dia de calor - eu as achava taaaao lindas, azar deles se não gostaram. Tambem não me senti tao mal assim quando a minha mãe me vestiu de dálmata para o carnaval da minha escolinha (seriously, dálmata, mãe?).

Nao... Minha primeira vez (ui!) foi inesquecível.

Eu estava naquela transição em que a gente brinca de bonecas pôneis depois de escola e fica aos suspiros pelo David Bowie travestido de rei Jareth. Quem nunca?

ai meodeoooos! Coisa linda!!!

Mas opa, falar pras pessoas que você era apaixonada pelo David Bowie, ou Axel Rose era normal. Minto, toda vez que eu dizia que eu ia me casar com o Jareth as pessoas me olhavam com certa pena. O fato eh que ter paixonite por celebridade era normal, todo mundo tinha. O que não podia era ter paixonite pelo coleguinha da turma da escola, muito menos deixar que todo mundo soubesse.

Pra uma pessoa apaixonada pelo Jareth, minha paixonite juvenil não poderia ser normal. Isso foi antes do meu namoro com o Dr. Manhattan e ele, vocês devem saber, eh azul! Minha primeira paixonite foi por um homem mais velho, suíço. Quando eu digo velho, refiro-me a uns 19 ou 20 anos... O que pra mim era uma coisa velhíssima! Mas era isso... Ele foi passar um tempo no sitio de gente louca, em que eu morei com um bando de neo-hippies. Ele tinha ido em busca de um caminho espiritual e eu so conseguia ficar la olhando, igual uma retardada para os olhos verdes dele. 

Ele deve ter notado que eu salivava quando ele estava por perto, suava frio, tinha falta de ar... Porque do nada ele começou a ser muito legal comigo. Eu não sabia falar inglês e ele não entendia uma palavra em Português I saw you saying that you say that you saw. Mas ele sempre sorria, falava bom dia, perguntava o que eu estava desenhando - jezuyz! Eu la apaixonada pelo cara e mostrando desenhos de poneis coloridos que eu fazia com lapis aquarela! haha

Eu ate cheguei a pensar que daquele mato sairiam cachorros beijos de língua. E comecei a tentar agir como adulta. Falar mais serio, fazer caras e bocas.

Dai que num belo dia estávamos num canto da sala de casa... Eu, ele e outras adolescentes da minha idade. Ele não entendia português, lembram? Então ele era mero observador. Eu e as meninas nos divertíamos contanto piadas umas pras outras. 

Eu me lembrei de uma piada engracadissima que tinha ouvido na escola. So que para contar a tal da maldita piada eu tinha que fazer um teatrinho. Explico: a piada era algo relacionada a uma menina que requebrava e dai enquanto a pessoa vai contando a piada vai imitando trejeitos de uma especie de dança...

pausa...

Nossa... Eu estou com falta de ar so de lembrar como foi isso...

Perai... Deixa eu voltar a ventilar e dai eu termino a historia.

fim da pausa...

Eu fiquei la, requebrando, igual uma idiota, enquanto contava a piada... E, juro, era uma piada muito engraçada. Dai quando eu terminei de contar estavam todos rindo... Rindo muito... Inclusive ele. 


Dai eu pensei... Ai meu Deus! Ele não sabe Português! Ele não sabe que eh uma piada... ele me viu rebolar e requebrar e não sabe porque eu fiz isso... E ele ta rindo porque ele me achou uma ridícula!

CATAPLOFT! Tive um desmaio moral.

Eu não desmaiei de verdade porque achei que seria muito mais mico. 

Depois disso eu comecei a evita-lo, de vergonha... Ele vinha todo legal, todo simpático e eu tratava ele mal. Sim, eu comecei a tratá-lo friamente. E ele, claro, parou de ser tao legal comigo.

E foi assim, criancas, que eu tive a minha primeira grande vergonha. E tambem foi o começo de uma longa historia de auto sabotagem relacionada com homens gatos interessados* em mim. 

*Claro que esse cara em especial nunca esteve interessado por mim. Ele era muito gentil e gostava dos meus desenhos. Mas como a historia eh contada por mim, eu achava que ele era meu grande primeiro amor!  

 






Monday, January 14, 2013

A cueca.

Alguns limites não devem podem ser transpostos, como o rio São Francisco. Desde o tempo de dom Pedro I tentam, falam, planejam... e nada feito. Certos limites deveriam ser assim, pensa Electra. Como por exemplo, nas relações pessoais. Ou nas relações pessoa-bichinho de estimação. Mas sempre tem um ousado pronto pra bancar o descobridor dos sete mares e ir além.
Coelho Branco de Electra não tem noção. 
Antes que perguntem, explico: Coelho Branco de Electra não é parente do Pernalonga, mas adora uma piadinha infame e uma brincadeira arriscada. Coelho Branco de Electra é um abusado, só porque pensa ser o preferido. O fato é que seu companheiro de batalha é o preferido e sabe disso. Isso gera problemas, intimidade demais acaba gerando problemas. Apesar de ser a maior fonte de carinho e estabilidade na vida de idas e vindas, vais e voltas de Electra, de vez em quando ele passa perto de ser assado vivo. Ah, como ele usa e abusa das suas prerrogativas coelhísticas... Sabe que ela não resiste ao seus olhos vermelhos, seu pelo macio, sua orelha grande...
Coelho Branco se acha. 
Electra e seu mascote estão curtindo uns dias a sós, coisa rara. Coisa boa. Os dias se sucediam em alegres coelhadas e passeios pela relva. Dias de verão, de sol, noites de festa. Por alguns instantes ela chegou a pensar que a vida era bela. O doce idílio terminou naquela manhã ao ir ao banheiro da suíte do bangalô e encontrar aquilo. Aquilo lá estava no chão, atirado displicentemente entre a pia e um vaso de algum tipo de palmeira tropical. Aquilo era um cueca - usada - do Coelho Branco.
Coelho Branco tem tendências suicidas.
Pensando se tratar de um engano, de uma miragem causada pelo vinho da noite anterior (caiu mal, deu uma baita ressaca dor de cabeça... enfim) ou de tratar-se de um pesadelo acordada, Electra entrou no chuveiro e resolveu ignorar aquilo. São tantos anos de bons serviços prestados, pensou nossa heroína. Uma cueca esquecida no chão não há de abalar seu bom humor. Electra andava muito bem desde que tinha se inscrito - volutoriosamente* - num curso de controle da raiva. Os bombeiros da cidade andavam até pensando em tirar férias, devio ao declínio acentuado do número de emergências. Não seria uma reles cueca de Coelho Branco que iria colocar em risco todo seu esforço. Aquilo deveria ser um teste, chegou por fim a essa conclusão.
Coelho Branco gosta de flertar com o perigo.
Tá certo que apesar do alto grau de fofura o coelho não é exatamente assim... um animal totalmente domesticável. Há algo de irresistível nas campinas verdejantes que não se deixam civilizar completamente. Algo irresitivelmente doce. Electra conhecia a mágica de tirar o coelho da cartola como poucas. Aliás ela gostava dele pelado pelado nu com a mão no bolso au naturel, só com a cartola pra dar um toque de charme, algo meio dandi. Coelho Branco de cartola fazia ela sorrir e por isso ela o mimava.
Coelho Branco é manhooooooso.
Os dias se seguiram e aquilo AQUILO continou ali, no chão azulejado do banheiro. Como quem não quer nada ela observava Coelho Branco lavando as outras peças de roupa. Porque não aquela? Como numa aula de yoga deixava o pensamento passar e o descartava. Electra não irir estragar o paraíso por conta de alguns centímetros de algodão jogados no piso frio. Não mesmo! Se aquilo era um teste ela passaria com louvor, decidiu. Coelho também não falava sobre aquilo e fingia que não via o problema. E assim a brincadeira de faz de conta que não estou vendo a cueca prosseguiu.
Coelho Branco é jogador de truco.
Por debaixo do sorriso Electra se remoía. Em qualquer outra ocasião aquilo lá já teria sido resolvido em meio a discursos feministas, gritos e algum tipo de desafio que envolvesse o tatame. Da última vez deixaram o tatame de lado e escolheram floretes. Tudo devidamente seguido de desculpas de ambas as partes e beijos mil, porque o melhor de qualquer briga é fazer as pazes. O que enlouquecia Electra era o absurdo de continuar vendo aquilo no chão diariamente. O que coelhinho pensava? O que queria? Briga? Confusão? O início de um hecatombe nuclear? Seu desterro imediato para o lixão dos brinquedos usados e abandonados?
Coelho Branco é louco.
No quinto dia  Electra decidiu. Aquilo teria fim. Nada mais de cueca no chão. Mas dessa vez ela pegaria o Coelho Branco de surpresa. Nada de briga, nada de queda de braço, nada de discussão. Fez a única coisa que ele jamais esperaria dela, em toda sua vida. Pegou e lavou, muito bem lavada, diga-se de passagem, aquela coisa. No melhor estilo Amélia que era mulher de verdade...  Até passou a ferro e usou água perfumada! Sorria enquanto relatava o fato à sua terapeuta. Quem sabe assim se livrava daquelas sessões sem fim? Esperava com ansiedade a chegada do seu fofo, queria ver a reação dele.
Coelho Branco sorria de orelha a orelha.
Sim, Coelhinho estava feliz e saltitante, parecia que a páscoa havia chegado mais cedo. Os olhos vermelhos brilhavam como se tivesse vencido sozinho a Guerra dos Tronos. A cueca bem lavada, passada e engomada era só o princípio daquela noite. Nem acreditou quando além do caprichado jantar com direito a bolo de chocolate de sobremesa ganhou de Electra uma massagem no pelo. Coelho Branco adorava massagens. Aquela então, sabia nossa heroína entraria para os anais da história. Havia comprado um creme especialmente para o grande evento. Nunca antes havia sido tão delicada, portava-se como uma gueisha, sem pressa alguma. Não houve economia ou pãoduragem alguma, gastou um tubo inteiro de Veet no seu querido...
Coelho Branco perdeu a fala, dentre outras coisas.


* voluntoriosamente - algo em que a pessoa vai pq foi obrigatoriamente forçada a ser voluntária, sabe como é?