Quando eu completei quinze anos, troquei a tão esperada
festa de debutante por um teclado super high tech - para a época - e uma viagem.
Eu era muito gordinha e a infeliz necessidade do uso do combo aparelho/óculos
cooperava bastante para aumentar a minha timidez e a minha baixa auto estima. A
ideia de ser o centro das atenções por uma noite, fantasiada de bolo, nunca foi
no meu ideal de comemoração e sinceramente me fazia suar frio só de imaginar
esse dia chegando.
Eu estudava música na época e como comprar um piano
era uma coisa impossível, minha família contou as moedas e comprou um teclado que
tinha entre as suas milhares de funções a de simular um piano. Foi o melhor
presente que eu poderia ter ganhado na minha vida! Eu era a pessoa mais feliz
do universo e passava todas as minhas horas livres praticando, estudando e
criando os meus arranjos. Meu irmão, por sua vez, resolveu me dar de presente
uma viagem de quarenta e cinco dias ao lado dele lá no maranhão – onde ele estava
morando temporariamente por conta do seu curso de odontologia. Essa seria a minha
primeira vez viajando sozinha e foi uma grande aventura.
Eu viajei no final de junho e na minha mala, entre
tantas outras guloseimas que a nossa mãe preparou para que eu levasse para ele
matar a saudade do tempero de casa, ia uma garrafa de cinco litros de aluá*. Era
época de São João e meu irmão iria dar uma festa temática no apartamento dele. Eram
tantos cuidados e recomendações que não tinha como deixar mais claro que o aluá
era mais importante que eu. As malas foram jogadas no bagageiro do ônibus e
comigo, naquela cadeira desconfortável, ficou apenas a minha mochilinha e
aquela garrafa de plástico extremamente inconveniente.
Saí de Fortaleza às 19 horas e eu sabia que seria
uma longa viagem, mas eu não tinha a menor ideia
da longa noite que viria pela frente. Coloquei a garrafa embaixo da minha
cadeira, me acomodei da melhor maneira possível e a viagem foi até tranquila
até o momento de subir a serra. Como tinha muita curva, em algum momento a
garrafa acabou rolando, bateu na perna da pessoa *A* que estava sentada/dormindo
do outro lado do corredor e que obviamente acordou com o susto. Pedi desculpas
e recebi a garrafa das mãos do estranho muito constrangidamente.
No meio da noite eu me descuidei enquanto procurava
uma posição mais confortável e a garrafa rolou outra vez. A pessoa devolveu a
garrafa me fuzilando com os olhos e com uma cara nada amigável. Fiquei com ódio
do meu irmão e jurei que iria mata-lo assim que eu o encontrasse, mas tudo bem.
O rapaz que estava do meu lado se cansou desse furdunço e achou melhor colocar
a garrafa embaixo da cadeira dele. Assim nós seguimos a viagem até o início da
madrugada, onde o seu moço lá teve que descer do ônibus e eu fiquei mais uma
vez segurando a garrafa com uma cara bem desolada.
Quando o moço *A* viu que a garrafa estava solta
novamente, se apressou se ofereceu para coloca-la naquele espaço super seguro,
em cima da minha cabeça. Eu disse que era melhor não, que ela iria cair e tal,
mas ele não me ouviu e disse que não tinha perigo não. Tudo bem, eu tenho 14
anos e quem sou eu para julgar. Mal tinha acabado de pensar isso e escutei um
AAAAAI vindo da cadeira da frente. É óbvio que a garrafa quase matou a pessoa
que estava sentada lá e eu olhei pro moço *A* com aquela cara de “eu avisei”. Fiquei
segurando a porra da garrafa até não aguentar mais e lá pelas tantas a coloquei
no chão entre os meus pés outra vez.
Duas da manhã e paramos e uma rodoviária dessas de
vilarejo. As cadeiras da frente ficaram vazias e o moço *A* resolveu que seria
bem melhor ir dormir lá, longe de mim e da minha garrafa de aluá. Eu achei foi
bom também. Coloquei a garrafa em cima da cadeira vaga dele, do outro lado do
corredor, me espalhei nas minhas duas poltronas livres e fiquei olhando a noite
escura pela janela.
O que a gente não contava era com a freada bruscas
que teríamos logo adiante, causada por um animal na pista de madrugada. A
garrafa caiu no chão, rolou até a frente do ônibus e, antes que eu pudesse me
levantar da minha poltrona para pegá-la, ela EXPLODIU e deu um banho no moço *A*.
Eu quase desmaiei. Os passageiros gritavam achando que era uma bomba. O
motorista ficou louco por conta do barulho. O trocador gritava e pedia para
parar o ônibus. Quando o ônibus parou só conseguia se ouvir aquele barulho de
onda no chão, chuá-chuá. Era uma onda de aluá.
A rota da viagem foi alterada já que tivemos que ir
para a garagem para lavar o ônibus e para o passageiro tomar um banho antes de
seguir para São Luiz. Eu passei o resto da viagem encolhida no banco, em estado
de choque. Os passageiros me olhavam com tanto ódio que eu jurava que eu iria
ser expulsa do ônibus a qualquer segundo. Eu não queria ser abandonada sozinha,
de madrugada no meio da estrada e decidi que seria melhor apenas respirar. A
viagem atrasou quase cinco horas por conta dos acontecimentos. Como naquela
época ainda não tinha celular, meu irmão amargou cada minuto de atraso lá na
rodoviária me esperando, louco, sem saber o que estava acontecendo.
Quando cheguei na rodoviária e ele me viu, a
primeira coisa que ele perguntou foi: trouxe o aluá? E eu me agarrei no pescoço
dele e caí no choro – que durou praticamente uma hora. Ele não entendeu nada, e
ficou lá achando graça. Enquanto isso a amiga dele tirava uma foto nossa,
achando muito bonito esse meu choro emocionado quando encontrei o meu irmão.
Essa história se espalhou por aí e até hoje eu sou conhecida por conta do meu ÓDIO ao aluá.
Em agosto, não teve jeito e eu ainda tive festinha,
mas foi tudo bem simples e eu me diverti bastante com os meus amigos.
--
*Aluá é o
nome dado no nordeste a uma bebida feita de milho ou casca de abacaxi, depois
de fermentada. No Ceará é feito com pão branco fermentado com água, cravo da
índia e adoçado com rapadura preta.
Gente, ficou enorme. Desculpa!
ReplyDeleteFiquei muito contente quando a Ira me convidou para escrever aqui e fiquei louca sem saber sobre o que falar. Aproveitei a onda dos 15 anos que estava rolando aqui no blog e resolvi falar sobre essa minha primeira experiência. Essa é uma daquelas histórias que só prestam se contadas “ao vivo”, com os trejeitos de falar engraçado lá do Nordeste e com a sonoplastia correta, mas tudo bem. :P
Um beijo para todas as loucas dessa Gaiola, adoro e leio o blog de cada uma de vocês.
Adorei a história, entre outras razões por que já viajei num Princesa do Agreste carregando uma garrafa de cachaça que meu avô mandou para um tio. E o medo de quebrar! Não quebrou, mas acabo de conhecer alguém que aconteceu exatamente isso.
ReplyDeletebjs
Jussara
Jussara, pense num trauma ETERNO.
DeleteNunca mais nessa vida eu carrego garrafa em viagem.. hahaha :)
kkkkkk..o melhor post do ano!! Enquanto lia parecia q estava asistindo um filme..amei essa riqueza de detalhes.e que bebida forte essa hein?? Kkkk...comedia total!
ReplyDeleteLu, posso dizer com conhecimento de causa que o aluá é mesmo uma bebida explosiva. :)
DeleteObrigada pelo elogio.
Morri de rir, adorei todos os detalhes. E vem cá, quem fez o aluá foi a sua mãe? Dá pra passar a receita? Não moro mais no Brasil, mas morro de vontade de aluá... Sou de Fortaleza e já fui de ônibus pra São Luís. Imaginei o caminho na serra e a garrafa rolando... Nossa, tô rindo até agora.
ReplyDeleteOi Ione, foi a minha mãe sim.
DeletePode deixar que eu vou pedir a receita pra ela e dou um jeito de mandar pra você. :)
Menina, imagina o *sacolejo* naquela serra da Ubajara numa madrugada cheia de neblina! A garrafa não suportou a pressão e aí já viu né...
Conta a verdade! Vc tomou os 5 litros de aluá e não quer confessar!!!
ReplyDeleteHahahahahaha :D
DeletePensando bem, bem que eu deveria ter tomado mesmo viu. Pelo menos teria evitado todo esse constrangimento..
Beijo Inaie, boa sorte com a obra!
Que mico pra uma menina tão nova, acredito wue se fosse hoje você tiraria de letra rs
ReplyDeleteAh uns anos atras uma amiga pediu um vinho especial da Italia e a porcaria do vinho quebro dentro da mala e estragou metade das minhas roupas :(
Beijo
O Aluá explodiu? Como assim??? esse negócio é tipo uma bomba? hahahahahahahahahahahahahaha
ReplyDeletecoitado do seu irmão, que ficou esperando esse Aluá e ele não chegou! hahahahahahahaha
Olha, eu ri muito aqui viu! E fiquei imaginando o moço "A" hahahahahahahahahhahahahahaha
(fiquei curiosa... agora quero experimentar um pouco disso... será que aqui em Aracaju tem? ou vou ter que ir pra Fortaleza?)
bjinhossss
É, cada vez mais eu tenho certeza que vc está bebendo muito ultimamente rs.
ReplyDeleteKisu!
Gente eu adorei a história. Hahaha, fiquei até curiosa pra saber qual o gosto dessa danada de aluá que tanto carinho provoca no seu irmão. Quando li no seu blog a louca aqui achou q vc ia relatar sua primeira vez ... sexual. Pode me chamar de pervertida! hahahaha
ReplyDeletemas fica aqui a dica: conte-nos sua primeira vez tbem no sexo!
hahah
beijoca