Friday, January 25, 2013

Gratidão

Eu passei 6 anos e meio na faculdade. Não é algo do que me orgulhe ou me envergonhe. Era algo que precisava ser feito, e eu simplesmente fiz.
Me formei num momento bastante turbulento da minha vida. Eu não tive a oportunidade de estudar na cidade onde eu moro - simplesmente porque ninguém tem essa oportunidade - então o negócio era enfrentar diariamente o trânsito carregado entorno-brasília.
E eu fiz dois estágios durante o último período da faculdade, não porque eu PRECISASSE daquele dinheiro a mais, mas pra ter o conforto de contar com um dinheirinho a mais que o de pagar as dívidas mensais. 
Junto com os dois estágios, eu tinha que fazer o estágio obrigatório da faculdade uma vez por semana e a monografia. 
A monografia, ou melhor, o pânico que eu sentia dela, me fez sair da academia, me fez deixar de tocar violão, me fez ficar com um humor de coruja velha. 
Eu me tornei uma pessoa amarga nesse período. Eu mal conversava com as pessoas que conviviam comigo, apenas chegava no trabalho e ia escrever, depois chegava em casa e voltava a escrever. Me julgava no direito de reclamar de tudo e todos que me "incomodassem". No quesito incomodar, enquadravam-se mesmo as minhas obrigações do trabalho. 
E eu estava me achando a pessoa mais esforçada e cansada do mundo inteiro. Não importava nada do que acontecia de bom, porque eu só tinha olhos pra ver como era cansativo ter dois estágios e ainda estudar depois.

Vocês também não morrem de peninha de mim?
Então, logo que apresentei a monografia, vieram as minhas férias em um dos estágios. De modo que a única coisa que eu tinha pra fazer era ir para o estágio da tarde e ficar lá entrando na internet. E pensando em como aquele descanso era merecido, afinal, tinha sido o semestre mais difícil de toda a faculdade.

Só que a vida sempre dá um chacoalhão na gente quando a gente está se achando boa demais.

E, numa manhã de sexta feira, a última das minhas férias e uma semana antes da minha colação de grau, eu acordei de manhã normalmente e, quando fui ao banheiro, vi em cima da bancada uns cremes da minha irmã que eu tinha esquecido ali. E ela não se importa muito em me emprestá-los, desde que eu os guarde no lugar. Quando me dei conta que tinha esquecido algum creme ali, fui virar pra trás pra ver se eram um dos meus ou dos dela e... meu pescoço estralou. 

Foi o tempo de voltar correndo para a cama, deitar, e não conseguir mais levantar. Estava com um torcicolo terrível: o primeiro da minha vida. Eu nunca tinha tido torcicolo antes, mas não foi difícil reconhecer. Deitei na cama e não era capaz de mover um centímetro da minha cabeça para lado algum. Foi a dor mais forte que já senti na vida. 

E eu chorei. Eu não me lembro de chorar muitas vezes depois que eu fiquei adolescente. Nos últimos 14 anos eu fui durona, sabe?, ninguém tinha o direito de me fazer/ver chorar.

Mas o que me fez chorar, além da dor fortíssima, foi o sentimento que me invadiu. Naquele momento em que me vi paralisada em cima da cama - porque se eu movesse um dedo do pé a dor era imensa - eu me dei conta de como eu tinha agido ridiculamente no último semestre. 

Eu percebi que tinha tido maravilhosas oportunidades, que tinha feito escolhas ao meu gosto, e que mesmo assim eu só sabia me queixar. Que eu tinha tudo o que eu podia querer naquele momento, como frutos das sementes que plantei durante a minha mixuruca vida acadêmica, que eu tinha mais oportunidades que muitos amigos meus que se esforçaram mais que eu, e que mesmo assim a única coisa que eu fazia era me queixar de como aqueles frutos me cansavam, de como eu era injustiçada na vida.

Eu me dei conta de que eu sempre tive uma saúde maravilhosa, e que nunca tinha me dado ao trabalho de agradecer por ela. Eu usufruía dela com prazer, mas nunca tinha parado pra pensar em quantas pessoas não a tem e, consequentemente, dar valor de verdade à que eu tinha.

Eu me dei conta de que tinha uma família imensamente paciente, que cuidava de mim, se importava com o que me acontecia, tentava me compreender e apoiar mesmo nas horas em que eu estava mais irritante, e mesmo assim eu me julgava no direito de brigar com eles só porque eu estava estressada com a monografia. 

Eu lembrei mais uma vez de como o fato de meu orientador na monografia ter sido um zero a esquerda não influenciou em nada, já que meu advogado particular (chamado Nego) corrigiu capítulo por capítulo, parágrafo por parágrafo, palavra por palavra, e ainda teve a paciência de suportar minhas crises de TPM (Tensão Pré Monografia).

Eu me dei conta do quanto eu era mal agradecida. Embora eu agradecesse a Deus e à vida pelas chances e oportunidades, eu me dei conta de que esse agradecimento sempre tinha sido da boca pra fora. Tinha sido um agradecimento no qual eu dizia a mim mesma que eu era o máximo, que eu tinha conquistado tudo sozinha e que ainda assim eu agradecia era a Deus. Deitada naquela cama, o ápice de todo o sofrimento físico que eu já tinha sentido em toda a minha vida, eu me dei conta de que eu era uma grande babaca. Uma idiota que nem ao menos sabia agradecer pelas maravilhosas bençãos com que era presenteada diariamente. 

E eu chorei. E pedi perdão a Deus, à vida, por andar sendo tão tão tãããããão imbecil. E agradeci por tudo, pela primeira vez com a certeza de que estava sendo sincera.

Depois, é claro, eu fui pro hospital e coloquei aquele colar básico no pescocinho. Três dias tomando banho de ladinho, e parece que o médico sabia que eu tava merecendo sofrer porque não me passou remédio nenhum pra combater a dor. 

Essa foi, ao mesmo tempo, a primeira vez que tive um torcicolo e que me dei conta de o quanto a vida e o corpo que a gente tem são valiosos. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de ser sincera no que eu agradecia.

E você, já agradeceu hoje?

10 comments:

  1. "Depois, é claro, eu fui pro hospital e coloquei aquele colar básico no pescocinho. Três dias tomando banho de ladinho, e parece que o médico sabia que eu tava merecendo sofrer porque não me passou remédio nenhum pra combater a dor. " - AHAHAHAHAHA

    Menina, eu tive algo assim tambem, mas nas costas... foi uma epoca muito conturbada da minha vida, final de mestrado, mudanca pra Suecia e o meu pai com os primeiros sintomas de cancer... E eu fiz igual a voce... eu me tornei uma pessoa amarga, porque trabalhava muito e achava que a vida era aquilo... e dai num dia, no almoco, eu fui pegar salada !cuidado com saladas! haha) e minhas costas torceram e urrei de dor.

    Eu chorei igual a voce - mas nao na cama, nao tive tempo de ir ate ela.

    Fui ao medico e meu pai, que era fisioterapeuta formado, me ajudou muito...

    E eu vi o quanto meu corpo eh sagrado e o quanto as pessoas em volta de mim são maravilhosas e o quanto eu devia agradecer mais a Deus.

    =)

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  2. Eu tive a mesmíssima coisa quando pequena. Eu tava me espreguiçando na cama, devia ter uns 5 anos e virei o pescoço. A dor eu lembro até hoje de tanta que foi. Qualquer dedo que mexia doía a alma. O colar resolveu.

    E sou grata por não ter morrido se tivesse quebrado auhauaha

    Kisu!

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  3. ainda não, mas depois desse post, resolvi agradecer!!! obrigada pela lembrança! rs

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  4. Poxa, meus torcicolos nunca foram tão fortes. Eram chatos, muito mesmo, mas não foram nesse nível.
    É engraçado que geralmente a gente pede muitas coisas pra todo mundo, pra Deus, pros amigos, pra família... mas quando chega a hora de agradecer geralmente bate o esquecimento.
    É bom olhar pra trás e rever nossas atitudes. Vou fazer isso logo antes que o "torcicolo do castigo" me atinja...rs..
    bjksssssss

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  5. Que post legal!!! E que bom q vc aprendeu na dor. :)
    HJ vou agradecer a Deus com mais vigor!

    Beijão!

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  6. Eu demorei pra entender o sentido do post... mas acho que cheguei lá. ;)
    Às vezes a gente precisa "ser parado", já que a gente sozinha não pára... para reconhecer tudo o que nos acontece, e entender que o que nos acontece na maioria das vezes é fruto de nossa escolha.
    Beijooo

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  7. De vez em quando a vida manda um chacoalhão pra gente largar mão de ser besta. Eu levo os meus regularmente!!

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  8. Muitas vezes aquilo que está na nossa alma e nos nossos pensamentos acaba se refletindo no corpo. Foi a maneira que seu corpo achou para dizer "pare".
    Bjs.
    Elvira

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  9. Concordo com a Inaie. Foi necessário passar por isso, para observar que suas reclamações eram infundadas. Auto piedade não rola, né!

    Beijos!

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  10. Oi lindinha.
    Eu também sou assim1
    Quantas vezes me lamentei, chorei e até pensei em abandonar a faculdade de direito porque não foi a minha escolha de coração. Completei em 6 anos e meio também, mas porque depois de um tempo ela se tornou um tormento e eu fazia 3 disciplinas por vezes para não ter que trancar.
    E hoje em dia, quando paro e penso, é esse o curso que me permite tirar o meu sustento, conhecer pessoas sensacionais e ter oportunidades maravilhosas!
    Não fui grata na época! Nem quis ir na festa de formatura na época!
    Mas hoje em dia eu sou! Sou muito feliz e grata não só por essa, mas por muitas outras oportunidades que tive na vida. Sou uma privilegiada!
    Beijos e parabéns!

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