Era uma casa muito engraçada...

Quando eu era criança, e ainda hoje, não costumávamos visitar com frequência nossos parentes. Morávamos relativamente afastados deles, e quase nunca tivemos um carro bom o suficiente para sair da cidade. Visitar os parentes costumava ser mais cansativo que divertido. Mas uma coisa eu adorava quando fazíamos essas visitas: as casas deles. Pra mim, eram todas lindas! Eram sempre grandes, com sofás bonitos, com cortinas, fotos nas paredes brancas, cerâmica no chão, enfeites bonitos... Nem sei se as casas deles eram tão bonitas quanto eu via, mas o fato é que todas as vezes que os visitávamos eu sentia vontade de morar numa casa como as deles.

Isto porque nós nunca tivemos uma casa muito bonita. Era limpa, arrumada, mas nunca linda. E a hora que eu achava essas casas mais lindas era pela manhã: nas raras vezes em que a gente dormia fora, eu acordava às 6h da manhã e ficava imaginando como devia ser legal morar numa casa bonita como as deles.

Moramos por muitos anos numa casa onde meu pai tinha um mercado, onde as paredes eram pintadas anualmente, mas a pintura era inútil: logo nas primeiras chuvas as paredes ficavam inteiramente mofadas. Era bem feio. Eu cresci ali, não me lembro de na época me importar se era feio ou bonito; mas eu sonhava em morar em alguma outra casa.

Depois moramos numa outra casa naquela mesma quadra. Era minúscula, e quando estávamos todos em casa alguém sempre tinha que dormir na sala. A casa era pintada de um azul feioso e tinha um muro mais feioso ainda. Se chovesse o quintal alagava. Faltava água muitas vezes, e ficávamos até meia noite sem banho... A gente limpava e encerava essa casa todos os dias, mas ela nunca foi bonita. Nessa época tivemos umas cortinas, que eu amava, mas não sei o que aconteceu com elas depois que nos mudamos de lá. Eu continuava sonhando com outras casas que não a que eu morava.

Depois moramos uns 10 anos na chácara. A princípio o chão era de cimento grosso, que  quando era varrido levantava quilos de pó. Meu pai tinha alugado essa casa antes de mudarmos pra lá e os inquilinos deixaram as paredes imundas. Quando mudamos pra lá, lavamos tudo, mas não foi o suficiente. As paredes ficaram manchadas, tinham buracos, a instalação elétrica era horrível... Eu gostava de morar na chácara. Mas eu não gostava daquela casa. Anos se passaram e nós reformamos a casa, colocamos cerâmica, pintamos as paredes... mas eu ainda sentia que aquela não era a casa que eu queria morar.

Quando eu entrei na faculdade, concluímos que não dava mais pra morar ali. Era MUITO longe de tudo, eu chegava meia noite e meu pai tinha que ir me esperar na parada, pois era impossível o ônibus chegar até lá. Às vezes o carro atolava na lama, ou não funcionava, e a gente tinha que descer a pé. Tínhamos também outros problemas mais pessoais que automotivos. Foi insustentável. Nos mudamos.

Nos mudamos para um apartamento minúsculo: MINÚSCULO MESMO! Acho que enquanto moramos nesse apartamento não tivemos a casa arrumada um único dia! Era horrível! E era ao lado de um depósito de material de construção, o que fazia com que a casa estivesse sempre cheia de poeira. Isso era suficiente? Óbvio que não. Por isso fomos contemplados com um bar a uns 100m de casa, que tocava a mesma sequência de pagodes 25 vezes seguidas até as 2h da manhã todo fim de semana! Era horrível! Eu queria morar debaixo da ponte, mas não ali.

Enquanto moramos nesse apartamento, que era alugado, fomos em busca de uma casa pra comprar. Visitamos várias. No dia em que visitamos a casa que viríamos a comprar depois eu a odiei. Do mais profundo da minha alma. A localização era boa, o preço era bom, mas a casa era um pavor. Era escura, quente, feia, pequena, suja, e era no fundo do lote - coisa que eu odeio. Fui determinadamente contra a compra dessa casa. Mas eu tinha 18 anos e não tinha emprego. Tive que aceitar a decisão dos adultos.

No dia da mudança, eu estava furiosa. A mulher da imobiliária tinha mandado pintar a casa de verde escuro... por dentro! Estava pavorosamente mais feia que no dia que a vimos pela primeira vez! Eu só queria deitar na minha cama, dormir e acordar em outro lugar, consciente de que havia sido apenas um sonho ruim. Eu queria morar em qualquer lugar, menos aqui. 

Mas não tive opção... o negócio foi morar aqui mesmo. Aos poucos fomos descobrindo os defeitos da casa - que eram inúmeros, entre eles uma infestação por baratas.

Fomos descobrindo e consertando, já que não tivemos dinheiro pra reformá-la antes de mudar. Aos poucos fomos fazendo empréstimos e investindo na casa: arrumamos primeiro a cozinha, depois fizemos uma área de serviço, depois começamos a construir a parte da frente da casa. Eu até desenhei uma planta para a casa nova! (Miss Belum, não ria de mim! Eu não sou engenheira!)

Mobiliada em cores à esquerda, pra ficar mais divertido!

Não gostaram do meu modelo de casa. e acharam mais legal que eu dividisse o quarto com minha irmã caçula, mas pouco a pouco a casa foi tomando forma (uma forma diferente dessa planta aí). Deu muitas brigas, muitas dívidas, mas um dia, entre o natal de 2010 e o ano novo de 2011, a parte de dentro ficou prontinha! 

Ainda há muito que se fazer por aqui: faz muito calor na cozinha, quintal e muros precisam de reparos, precisamos fazer um jardim, temos algumas rachaduras... Mas foi aqui que um dia, logo no início de 2011, quando acordei antes das 7h da manhã, olhei pra parede branca da sala, onde o sol matinal estava refletido e, tomada por um imenso sentimento de alegria, pensei, pela primeira vez na vida: "Que casa bonita! Era exatamente aqui que eu queria morar!"