Saturday, January 4, 2014

A primeira dor de mãe

Me lembro como se fosse hoje a primeira vez que eu me senti totalmente impotente.
Anita foi um bebê modelo. Aos 20 dias de vida, dormia a noite toda. Não acordava nem para mamar. Durante o dia, quando ela tinha fome, ela cantava para chamar a atenção.
Ao invés de se esgoelar, ela fazia um barulhinho doce, terno.
A A A A A...e a melodia era tão gostosa que eu quase me esquecia que aquilo era um pedido de socorro, que ela estava com fome e precisava ser alimentada.
Como tudo na vida, eu "dava de barato". Eu achava que a minha filha era um anjo, e que eu merecia o anjo. Ou que por algum milagre da natureza eu fazia alguma coisa tão certa, que ela o resultado da minha maternidade excepcional.
Os meses se passaram e a Anita continuou sendo um bebê maravilhoso.
Sem choros, sem cólicas, sem acordar á noite, sem assaduras, sem nada que me preocupasse, me tirasse o sono ou me deixasse cheirando azedo. Anita nem regurgitava depois de mamar - e regurgitar, naquela época, já era moda!
O tempo passou. Um dia, quando ela tinha uns seis meses, ela acordou manhosa e eu resolvi que ia passar o dia todo com ela na cama.
A manha progrediu pro choro e a Anita começou a esgoelar.
Eu segui a rotina que ensinam todas as mães, logo na gravidez:
checa a fralda, dá mamadeira e põe prá dormir. Criança quando chora, tem fome, sono ou está com cocô. Se não for nada disso, o seu bebê está com alguma dor.
Anita estava seca, amamentada, de fraldas limpinhas, com o sono em ordem e roupas confortáveis. Ela não estava nem com frio, nem com calor, nem apertada, nem nada.
E chorava.
Eu a abraçava, ela chorava. Eu a colocava na cama, ela chorava. Eu punha a mão na barriguinha dela, o choro continuava. Eu passava a mão na cabecinha dela...e mais choro.
Até que eu me desesperei.
Liguei pro avô dela, pro pediatra, pra minha terapeuta, pros meus pais, sogra, madrinha vizinhos. Já estava querendo pegar a lista telefonica para começar a discar números aleatórios, quando o grande sentimento de impotencia tomou conta de mim.
Ninguém sabia o que ela tinha, ninguém sabia como ajudá-la. Como eu, todo mundo estava surpreso com aquele choro sentido e sem fim.Ninguém podia fazer nada por nós.
Desliguei o telefone, abracei o meu bebê e chorei com ela horas a fio.
Foi ali, na minha cama, a primeira vez que eu senti a dor imensa da impotencia. A dor insuportavel de não saber o que fazer, o que dizer, como ajudar - e o mais importante: não saber como acalmar aquele bebezinho tão doce, tao indefeso, tão amado.
Aquele dia a Anita me mostrou quão insignificante eu era e o quão pouco eu sabia do mundo e das dores dela, do sofrimento dela.
E eu me senti uma inutil. Todo o tempo que eu vivi, as experiencias que eu tive, e eu era incapaz de ajudar a minha própria cria a não sofrer. Sangue do meu sangue, aquele pedacinho de mim - tão indefeso, tão frágil, sentindo alguma coisa que eu nem entendia, nem conseguia arrancar dela.

Meu coração partiu de dor e sofrimento. Eu senti isso outras vezes depois disso, e sempre pelo mesmo motivo. Sempre por não poder ajudar a tirar o sofrimento de uma das minhas filhas - e todas as vezes eu me lembrei da impotencia de me sentar ali, naquela cama, agarrada aquele corpinho inquieto, sem poder fazer nada significativo, sem poder fazer diferença alguma.

Ser mãe é um pouco isso: descobrir que as suas limitações são a causa das dores mais profundas que você é capaz de sentir...

6 comments:

  1. É, não tem nada pior. Deveria ser crime ser mãe sem ter todos os superpoderes possíveis e imagináveis para tratar feito mágica todas as dores e problemas dos nossos bebês. Deveria mesmo.
    Sabe que te amo. E que estou contigo. Beijos.

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  2. Que bonito... mas o que afinal ela tinha?

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