Friday, March 15, 2013

gaiola, suco, janela, travesseiro...

Quando nos mudamos para nossa cidade, há mais de 20 e tantos anos, uma vizinha fez questão de contar pra minha mãe histórias bizarras sobre pessoas que sacrificavam humanos em rituais macabros. Se eram histórias verdadeiras ou não, não vou saber dizer. Talvez tivessem um fundinho de verdade. Ou não. O que é fato é que minha mãe ficou desesperada com elas. Ela tinha 4 filhos, todos menores de 10 anos, e morria de medo de alguém fazer algum mal a eles. Razoável, na minha opinião.

Eu devia ter 4 anos. Andava sempre abraçada no meu travesseiro, carinhosamente apelidado de "telinho". Meu pai tinha um mercadinho e tudo que eu tinha pra fazer na vida era ficar sentada no balcão desse mercado, balançando minhas pernocas enquanto ele atendia algum cliente, e respondendo os questionamentos superdifíceis de matemática ou ciências que ele me fazia, como contar até 20 e identificar o rei das selvas.
Vivia esta situação confortável, como um hobbit metido em sua toca (desculpem, sou nerd), sem nunca me envolver em qualquer aventura, até o dia em que eu estava lá sentada e apareceu uma mulher com uma menininha loira. A menina era menor que eu e já tinha cara de pilantra. Meu pai estava lá ocupado atendendo as pessoas e essa menina começou a conversar comigo. Não sei dizer o que conversamos, mas a menina devia ser boa de papo, porque me lembro que logo desci do balcão e saí pra rua pra passear com ela (sem meu telinho). Eu nunca tinha saído de casa sozinha, e meu pai não se deu conta de que eu estava saindo.
O mercado ficava bem na esquina, que nós viramos, e fomos andando juntas: ela ia me apontando as coisas e eu ia dizendo o que era o que.
Lembro nitidamente que uma das coisas era uma gaiola, jogada no chão, no meio do mato e lixo.

Daí não sei dizer o que aconteceu. Lembro que a garota sumiu. Eu não sei dizer se a mãe dela apareceu e a levou, ou se ela voltou sozinha ou o que. Sei que a única lembrança que tenho é de quando já estava  sozinha, andando pela rua. Passei pela casa de uma vizinha, que estava servindo suco para seus três filhos. Era um suco vermelho.  
Até esse ponto eu tinha andado menos de uma quadra. A distância que eu percorri até ver esses meninos tomando suco deve ter sido de uns 70 metros, no máximo. Fiz um mapinha explicando:
Trajetória do meu passeio
Depois dessa casa, não me lembro de pra onde fui. Mas lembro que alguém me achou, provavelmente meu irmão. Minha mãe tinha ficado desesperada. Meu pai tinha ficado desesperado. Imagina o medo da minha mãe de eu sumir logo em seguida a ela ter conhecimento das histórias macabras da vizinha...
Daí lembro nitidamente da visão que eu tinha da janela do banheiro, no fim da tarde, enquanto eu tomava umas palmadas pra aprender a nunca mais ir dar passeios sozinha, ainda mais sem avisar ninguém.

Essa é a primeira lembrança que eu tenho de apanhar. Isso não me causou traumas incuráveis, superei bem o fato de apanhar quando merecia (e minha mãe batia com moderação, também). Desse dia só me lembro nitidamente, como se fosse hoje, da gaiola jogada no chão, do suco dos vizinhos e da janela do banheiro. E a única coisa que me doeu e me fez chorar naquela noite foi que eu não consegui achar meu travesseiro. Só fui achá-lo no outro dia, atrás do balcão do mercado, onde tudo havia começado...

12 comments:

  1. "Daí não sei dizer o que aconteceu. Lembro que a garota sumiu." - era espirito! certeza!

    haha

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    1. Era a menina do exorcista!!!! Loira ainda! Certeza!!!

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  2. Era suco de groselha? Hummmmmm...

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  3. Lembranças que prendem a atenção e a respiração! Gostei de ler! Bjs Inté!

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  4. Só quem é mãe sabe o desespero qdo.um filho some..cruz credo! Uma vez "perdi" minha filha,então com 3 anos, dentro das Lojas Americanas..pensei que ia morrer! Sò "ressuscitei" qdo. o alto-falante começou a descrever a menina perdida de vestido maarelo que estava no caixa 5..Meu Deus,que sufoco,que agonia..imagino o que os teus pais devem ter sentido...

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  5. E você nem deve ter entendido por que estava apanhando...hahaha

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  6. Me impressionei com esse post pq tenho as mesmas lembranças detalhadas de momentos da minha infância. Inclusive a primeira vez que alguém em chamou de "idiota". Foi numa brincadeira com minha irmã mais velha.

    A irmã mais nova era o carteiro. Eu e a mais velha éramos inimigas que trocávamos cartas. Cada uma ia pra um lugar diferente da casa, escrevia e chamava o carteiro... Passávamos horas brigando de mentirinha, mas na hora que ela me chamou de "idiota" eu "peguei corda" como dizem no Ceará e fiquei até sem falar com ela! KKKKKKKKKKKKKKKK

    E eu nem sabia o q significava, mas achei a palavra feia.

    Ai ai...

    Beijão!

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  7. Oi estagiária.
    Hoje cedo eu quase fiz "caquinha" com o seu post. Entrei no gaiola pensando que era o meu blog pessoal e sai escrevendo e cheguei a postar algo quando fui no meu blog ler e não tinha nada lá! huahsuahsuas
    Bateu desespero e pensei "IHHH, fiz M. no gaiola! As loucas vão me jantar!".
    Consegui excluir o post antes que alguém visse. Eu acho!

    Meus pais nunca me perderam. Mas a minha mãe diz que eu era muito levada, subia em tudo, vivia correndo nas festinhas das crianças... Que se eu fosse apanhar por merecimento, iria apanhar todo dia! =)
    Eu sou tão distraída que sou capaz de perder meu filho no supermercado ou esquecer na escola. Deve ser tão desesperador, que não quero nem pensar!
    Beijos

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  8. Eu me perdi de meus pais somente uma vez. Foi no Carrefour. Me lembro que fiquei desesperada. Só sosseguei quando encontrei minha mãe num corredor me procurando. Fiquei de castigo, é claro mas o susto foi maior.
    Bjs-.
    Elvira

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  9. Eu nunca me perdi. Enquanto criança eu era bem responsável, foi depois de adolescente que dei trabalho, mas claro, eram as más companhias rahauauahua

    Kisu!

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  10. Lu: Não duvido que fosse, até pq nunca mais vi a criatura! E a cretina apareceu só pra me levar pro mal caminho e me fazer levar uma coça!

    Gê: Acho que era de morango...

    Amantikir: Que bom que gostou! Seja sempre bem vindo aqui na gaiola!
    (Porque um pouco de política não faz mal a ninguém, afinal de contas...)

    Madi: Tbm imagino o desespero de um pai que perde o filho, mesmo que por poucos instantes. Por isso mesmo eu não guardo rancor de ter tomado aquela surra...

    Inaie: Pior que eu entendi. Ela me explicou. Ela sempre explicava antes de bater! E eu até acho que eu mereci, onde já se viu passar um susto desse na mãe? Só acho que meu pai mereceu umas palmadas tbm, afinal, não prestou atenção em mim direito...

    Rebeca: Adorei essa brincadeira de vcs! Sua irmã correio não achava ruim?!

    Olivia: Rainha de Copas, Rainha de Copas... não fosse rainha, acho que já teria sido mandada pro tronco aqui na gaiola... kkk... acho que a Sherazade percebeu sim...

    Elvira: O alívio de reencontrar a mãe compensa o sofrimento do castigo!

    Bah: Eu me perdi só essa vez, na vida toda... as palmadas foram suficientes pra evitar outro sumiço! Até hoje elas me dão um medinho... kkk

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  11. Hhahahahahaha e o Telinho, coitado, dormiu lá jogado no chão!
    Eu tinha um travesseiro também, mas ele tinha uma carinha e tinha uns cabelinhos, logo... virou o "nenê de cabelinho" rsrsrsrsr nossa.. como isso é velho.. Jezuizi!!!

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